A Questão Judaica, a Emancipação Humana, a Bancada Evangélica e a Disputa do Poder Político.


Divulgação: um quê de Marx
Nesta semana de debate sobre o livro  “A Questão Judaica”, busco refletir sobre alguma correlação entre o livro e a chamada bancada evangélica no nosso Congresso Nacional.
Pois bem, formulo a reflexão da seguinte forma: o que o tema travado no livro “A questão Judaica” serve de base para “uma leitura reflexiva” sobre a bancada evangélica do Congresso Nacional?
Duas ligeiras explicações sobre este texto; (a) O objeto aqui é mostrar que Marx passa da “crítica à religião à crítica à política” e (b) apenas levantar teses para se submeter à crítica a bancada evangélica, com embasamento no livro “A questão judaica”.
De princípio, não existe nenhuma correlação? Qual o mote de Marx no livro “A questão judaica” que possa  servir para análise daquele fato presente no Parlamento brasileiro?
No plano mais geral, esse livro reafirma a crítica sobre a distinção sociedade civil versus Estado. Aliás, em textos anteriores aqui no site já se identificou o que é a discussão travada no livro “A questão judaica”.
E isso foi feito diante da preocupação de não se confundir o livro com alguma crítica direta à religião ou à religiosidade. Naquela ocasião, repita-se, se afirmou que Marx crítica a distinção entre sociedade civil e Estado. E que a emancipação política não implica na emancipação da religião.
Ocorre que o fio condutor utilizado por Marx, inclusive para contraditar Bruno Bauer, foi aproveitar o tema de interesse da época, em que se cruzavam diversos assuntos candentes para Marx, qual seja, a questão de que o Estado prussiano, ao reafirmar seu caráter cristão, negava aos judeus igualdade de direitos perante a lei.
É nesse contexto que Marx analisa a reivindicação de igualdade e liberdade pleiteadas pelos judeus e as opiniões de Bruno Bauer. Aliás, a própria comparação entre o EUA e a Alemanha serve para Marx demonstrar que a questão não pode ficar no campo meramente religioso. A questão é outra: a emancipação política, reivindicada pelos judeus alemães e já alcançada pelos norte – americanos, não deve ser confundida com a emancipação humana.
Portanto, me parece um desatino querer discutir religião utilizando o livro “A questão judaica”, uma vez que Marx fez no próprio texto crítica fulminante ao debate apenas no campo da religião/religiosidade. (1 – vide nota final).
“...Nada adianta querer, como Bauer, a emancipação política para com ela superar a oposição entre religião judaica e o cidadão. Essa oposição é falsa: obtendo plenos direitos de cidadania, o judeu, como membro da sociedade civil, continuará separado do Estado. Não termina aí nem a alienação política nem a religiosa, e, portanto, a emancipação humana não se realiza.” (2)
A emancipação humana defendida no livro refere-se a assimilação do cidadão abstrato pelo ser humano individual, que faz deste, em sua vida cotidiana, um ser genérico solidário com seus semelhantes. Isso não se consegue com a emancipação apenas política, que mantém o ser humano vinculado à condição de cidadão na sociedade civil. Por Marx:
“Toda emancipação consiste em reabsorver o mundo humano, as situações e relações, no próprio homem. (...) Somente quando homem real, individual reabsorva em si mesmo o abstrato cidadão e, como homem individual, exista no nível de espécie em sua vida empírica, em seu trabalho individual, em suas relações individuais; somente quando, havendo reconhecido e organizado as suas forças sociais, já não se separe de si a força social em forma de força política; somente então se terá cumprido a emancipação humana”(3).

Divulgação: um quê de Marx

A bancada evangélica é uma realidade fática, muito mais do que qualquer constituição formal de um partido e/ou entidade. E isso em nada impede que seus representantes se posicionem de forma alinhada nas discussões parlamentares no Congresso Nacional, ainda que tal bancada esteja presente na grande maioria dos partidos políticos.
Por sua vez, considero que existe nos setores mais a esquerda o pressuposto de que o comportamento desses agentes ligam-se às praticas do fisiologismo, conservadorismo e corporativismo, bem como que há certa debilidade das teses do apoliticismo dos religiosos.
Todavia, considero importante lembrar para esses “setores mais a esquerda” que os candidatos Hugo Chávez (em 1998) e Lula (em 2002) contaram com o apoio eleitoral de segmentos evangélicos, históricos e neopentecostais em seus respectivas eleições.
Isso dificulta tratar a chamada bancada evangélica como um bloco único, muito embora a atuação em prol dos seus interesses seja monolítico. A tese que levanto, sem maior pesquisa, é a de que a religião é uma via de acesso à política. Explico:
No Brasil atual, a suposta laicização do Estado brasileiro (advinda formalmente com a Proclamação da República e Carta de 1891 e repetidas em todas as Constituições do período republicano) ensejou novas facetas que expressam religiosidade e não em sua superação, tal como também apresentado por Marx na “A questão judaica”.
Evidentemente que não se trata de um decalque (ou se preferir um copiar e colar do control – V control C). Veja que esse adensamento na política brasileira de evangélicos se manifesta na conquistada da esfera pública do poder representativo, isto é, dentro do Congresso, sem esquecer o Parlamento local e estadual. Ali tinha como pano de fundo “judeus querendo os direitos civis”. Aqui o pano de fundo é a representação de uma religião na esfera política pública. O que levanto como tese é, justamente, que isso é biombo para encobrir o uso eleitoreiro para fins de acesso aos mandatos representativos.
Divulgação: um quê de Marx

Nada obstante, como pensar as relações entre a bancada evangélica e política sem cair no reducionismo que vê, aí, uma quebra na neutralidade do Estado?
Em primeiro lugar, considero que foi transportado para o Brasil as preocupações americanas sobre o que significou o apoio do grupo religioso  “Moral Cívica” para as eleições de Ronald Reagan, bem como que sob nova roupagem e remodelado, o Tea Party representou para as eleições do Bush Júnior. Aliás, com forte ameaça ao Obama, diante da vice na chapa republicana.
Em segundo lugar, o próprio liberalismo prega que a comunidade política abrange também “os crentes” (cristão, judeu, islamita etc., aquele que acredita). Ou seja, o laicismo aceita a influência das igrejas na vida pública,contanto que esta influência seja decorrente de seu autônomo peso social e não de privilégios concedidos pelo Estado.Novamente se faz presente aqui, como base (e não como cópia), as reflexões de Marx em “A questão judaica”.
Penso que a sociedade brasileira o sentido de laicismo aproxima-se, sob múltiplos aspectos, ao processo de secularização. Na literatura sociológica, o termo "secularização" é usado normalmente para caracterizar o processo de transição das sociedades patriarcais, rurais e "fechadas", para a sociedade industrializada, urbana e profana, onde assistimos a uma redução constante do peso social da religião organizada, que está perdendo, cada vez mais, a função de controle social.
A progressiva "dessacralização" da sociedade moderna (descrita por Max Weber) traz a solução automática a alguns aspectos históricos do laicismo. Porém, ao mesmo tempo, justamente nas sociedades mais secularizadas, como se fosse para compensar os valores sociais perdidos, surgem ideologias totalitárias e/ou aproveitadores que atentam à concepção propriamente leiga da política e da cultura.
Em terceiro lugar, o debate no Brasil sobre a bancada evangélica fica no limite de defender o Estado leigo – que quer significar o contrário de Estado confessional, isto é, daquele Estado que assume, como sua, uma determinada religião e privilegia seus fiéis em relação aos crentes de outras religiões e aos não crentes.
Por outras palavras, a tese é de que é essa noção de Estado leigo que fazem referência as correntes políticas (pela esquerda e junto a alguns liberais) que defendem a autonomia das instituições públicas e da sociedade civil de toda diretriz emanada da bancada evangélica e de toda interferência exercida por organizações confessionais; o regime de separação jurídica entre o Estado e a Igreja; a garantia da liberdade dos cidadãos perante os poderes. Mas isso é muito pouco! É necessário evitar o retrocesso, mas apenas essa disputa é insuficiente.
A bancada evangélica, como diversas outras bancadas dos partidos burgueses, representa os interesses particulares da classe dominante que se impõe a todos como se fossem os verdadeiros interesses universais. Ou seja, aqui não há mais as teses juvenis de Marx na “A questão judaica”.
A bancada evangélica não está em nada “alienada” dos interesses particularistas que representa, interesses radicados no interior da sociedade civil. E nada tem de visão de uma ética-religiosa, espiritual, que defende uma visão de mundo que não se coaduna com a “visão de mundo da modernidade”. Ao contrário, eles nada têm de abstrato ou fundamentalista como sugere o seu ameaçador aparelho de patrulhamento voltado contra setores bem determinados da sociedade civil, como por exemplo, contra grupo pró – aborto ou LGBT.
Portanto, sem menosprezar e abandonar a disputa pela defesa do Estado laico, os progressistas (não gosto da expressão, mas ela é oportuna aqui para entendimento da ideia a ser transmitida) devem ir além, pois não se trata de manter em pé a concepção de universalidade do Estado. Adicione-se, principalmente, a necessidade de formular a disputa na perspectiva de que o Estado é um aparelho material a serviço de uma classe.




Publicado originalmente em:

Um quê de MARX : A Questão Judaica, a Emancipação Humana, a Bancada...: A Questão Judaica, a Emancipação Humana, a Bancada Evangélica e a Disputa do Poder Político. Nesta semana de debate sobre o livro...

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