“Chavismo como redentor social: entre o mito e a realidade. Uma crítica pela esquerda”. (Post 02)

Política Econômica e Social: favorecem a burguesia e fazem algum assistencialismo
Continuação do texto


2. A natureza das nacionalizações e da política econômica chavista
O então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, reestatizou importantes setores econômicos que tinham sido privatizados na devastadora década neoliberal dos anos 90 e, também através desse processo, associado à sua retórica anti-imperialista, tem conquistado simpatia da esquerda e construído aquela imagem de redentor revolucionário.
O chavismo deixa herdeiros, apesar do caráter personalista existente na figura de Chávez.
É fato histórico que nos anos 90, os anos neoliberais, a economia venezuelana foi privatizada até o osso, o que inclui vários setores que o chavismo retomou. Neste sentido, o chavismo nacionalizou ou semi-nacionalizou importantes setores da economia como Telecom, Eletricidade, cimento de uma empresa mexicana, siderurgia de uma empresa Argentina (Sidor, já mencionada no POST 01), um setor de laticínios, sendo que a regra é a compra das ações dessas empresas a preço de mercado. Não há termo de comparação com as nacionalizações mexicanas do presidente Cárdenas que comprava as empresas a preço simbólico. O chavismo empregou maciços recursos públicos – no país da desigualdade social extremada – na compra de empresas a preço de mercado e no pagamento pontual da dívida externa.
Os capitalistas a quem ele compra as empresas a preço de mercado, em geral, têm encarado o processo como um “bom negócio”; esta tem sido a opinião das agências internacionais que medem o tal risco-país. O Estado venezuelano gastou, na compra de empresas norte-americanas de telefonia e eletricidade, 1,5 bilhões de dólares dos cofres públicos.
Em outra linha de raciocínio, e a bem da verdade, é essencial que se registre o seguinte: não há controle operário das empresas nacionalizadas, não há plano econômico a partir do Estado que integre tais companhias na perspectiva da produção voltada para o mercado interno mais pobre. (A crise de desabastecimento que assola a Venezuela pode, parcialmente, ser compreendida por tal ausência de planejamento).
Aliás, esclareça-se que estão na mira do governo as multinacionais e grandes produtores agrícolas. Ora, justamente estes tem sido o terreno de onde partem os golpes da direita e a reação política ao chavismo. (As manifestações deste ano de 2014 são exemplos).
Nesta esfera reside uma questão de classe: a tolerância ou associação do chavismo com a grande burguesia que vem tentando sucessivos golpes para afastá-lo é tão notável quanto sintomática dos limites de classe do seu governo.
A posição dos empresários norte-americanos quando tiveram sua empresa de eletricidade, de Caracas, nacionalizada por Chávez é também sintomática: várias agências de especulação de New York declararam que era uma boa notícia a compra da empresa.  Isto se não se quiser mencionar fatos econômicos, como os bônus soberanos internacionais emitidos pelo ainda Presidente Chávez, no montante de 3 bilhões de dólares que servem para financiar a livre importação por parte da burguesia alta. Por sua vez, a relação com os Estados Unidos, sob o ponto de vista econômico, não é ruim (apesar dos discursos). Aquele a quem Hugo Chávez disse sentir cheiro de enxofre manteve uma relação comercial em crescimento com a Venezuela, referente a pauta de importações e no volume de exportações de 2002 a 2007 com os Estados Unidos.
Observem que “o ex-ministro da Indústria de Chávez já deixou bem claro que nacionalizações só ocorrerão em casos extremos, assegurou que não haverá uma onda de nacionalizações e que as fábricas capitalistas poderão perfeitamente coexistir com a produção social” (COGGIOLA - 7).
Ao mesmo tempo, é preciso que se leve em conta que no tipo de nacionalização executada pelo chavismo, prevalecem empresas mistas que são associações entre o Estado e as multinacionais, de tal forma que as multinacionais ficam, em regra, com a maior parte do lucro; e, quando estas multinacionais têm alguma queda nas ações das bolsas o seu prejuízo termina caindo nas costas do Estado venezuelano. Em outras palavras: o Estado venezuelano socializa o prejuízo na bolsa, nas associações mistas que patrocina.
O petróleo, maior riqueza nacional, é o exemplo de uma associação mista onde as multinacionais ficam com a parte do leão dos lucros. Capital privado e estatal de mãos dadas, estamos aqui diante de parte essencial do imaginário do chavismo.
Na verdade, no caso do petróleo, tem-se uma espécie de legalização da espoliação imperialista e dentro de uma conjuntura em que esta commodity dá saltos em seus preços internacionais (aquelas empresas passam a ser sócias do Estado obtendo propriedade de 40 % do petróleo, as instalações, as jazidas e os campos onde operam atualmente). O chavismo imagina que essa medida de associação com multinacionais fortalece a Venezuela. A verdade é outra. Vão-se divisas, fica a corrupção.
E além disso: “o gasto da renda petroleira tem duas rubricas de grande peso a saber: pagamento da dívida externa e – depois das “nacionalizações-compras” – a retribuição de conceito “justo pagamento” a preço de mercado às empresas imperialistas que saquearam e saqueiam o país. A primeira rubrica leva parte do leão com mais de 33 bilhões de dólares pagos nos últimos oito anos constituindo um dos governos que mais desembolsou nesse sentido” (MAIELLO – 8).
Ao mesmo tempo, o chavismo faz e refaz pactos e convergências com os inimigos da economia popular: “O grupo Polar, o maior do país, maneja 70% da distribuição de farinha e outros alimentos, e que durante o último lockout patronal escondia alimentos para que população pobre passasse fome, segue tranqüilamente seus negócios. Como definiu James Petras em um artigo recente, "Chávez está mais perto do New Deal do que da revolução socialista. Depois de três crises políticas (o falido golpe militar, a derrota do lockout e a derrota da oposição no referendum) o presidente ofereceu o diálogo e propôs alcançar um consenso com os principais 'barões' dos meios de comunicação e os autocratas das grandes empresas e do governo americano, consenso este baseado nas atuais relações de propriedade dos meios de comunicação e a ampliação das relações com Washington” (WEIL - 3). Podemos acrescentar aí a vitória de Maduro e as atuais manifestações como crises políticas.
O chavismo distribuiu algumas terras ociosas, regulamentou e reformatou a taxação de outras terras, mas não mexeu no essencial na estrutura do latifúndio na Venezuela e mais: no seu governo centenas de camponeses foram assassinados pela oligarquia rural. Tampouco foi tocado o núcleo da economia capitalista na Venezuela. O “modelo capitalista” continua em vigor, em todos os sentidos. E, de conjunto, a economia não sai de sua posição subalterna frente ao imperialismo: 90% é o peso dos produtos primários nas exportações daquele país, o que conforma uma estrutura econômica tipicamente semi-colonial.
Na esfera de produção de alimentos tem havido uma dependência cada vez maior ao exterior: leite, açúcar, farinha de trigo, azeite e pão têm sofrido crescimento acelerado nos seus preços nos últimos meses, e mesmo antes do desabastecimento. E todo período do governo Hugo Chávez, não só não diminuiu a dependência externa dos alimentos como aumentou em mais de 200% o gasto com importação de alimentos de 1999 a 2007, ou seja, não houve uma diversificação da produção industrial interna. O petróleo, como se sabe, representa 85% das exportações venezuelanas, um quarto do PIB e mais da metade da receita do governo.
Este fato é reconhecido até por setores que são favoráveis ao chavismo: “A revolução não pode consistir apenas em dar, em redistribuir, isto é, em inverter a lógica rentista a partir de agora a favor dos desfavorecidos porém mantendo-a indefinidamente. É necessário um novo rumo produtivo, um novo conceito de sociedade, um novo projeto estratégico, novos valores, novos sujeitos sociais de um novo tipo” (LOPEZ-9, destacou-se).
No próprio campo dos simpatizantes do chavismo, se reconhece que “A economia venezuelana continua sendo uma economia petroleira cujos ganhos são manejados agora pelo Estado. Tal é o traço que a define de forma determinante, ainda que com algumas variações de intensidade, há três quartos de século. Isso impede que se considere de maneira estrutural a resolução do problema do desemprego, da desigualdade na apropriação das rendas, da manutenção de uma economia saudável e sustentável, e que se resolva a enorme vulnerabilidade do país, já que este é cada vez mais dependente da comercialização da energia e de seus agregados” (SANJUAN - 1).
Em suma: “apesar de certa justiça nos últimos anos, manteve-se o essencial da ‘Venezuela Saudita’. A grande parte dos recursos foram utilizados para o enriquecimento de um punhado de burgueses e de ‘novos ricos’ vinculados aos negócios com o Estado; para o pagamento da dívida externa; e para a ‘indenização’ dos capitais imperialistas. Como se isso fosse pouco uma grande porção dessa renda que era canalizada pelas multinacionais imperialistas foi entregue a título de propriedade nos próximos 20 ou 30 anos dependendo do caso” (MAIELLO - 8).
Continua.

Para lembrar:
Resumo: É muito forte a imagem do chavismo como um transformador social, seja no meio da esquerda acadêmica como no seio dos movimentos populares. Nesta série de posts são discutidos elementos que, na ótica aqui enfocada, devem ser levados em conta quando se pretenda uma compreensão daquele processo político venezuelano mais fundada nos elementos de classe. 

Referências:
(1) SANJUAN, Ana Maria, 2007. Claro-escuros bolivarianos. In: Le Monde Diplomatique – BRASIL, São Paulo, n. 3, outubro 2007, p. 10-12.
(3) WEIL, Joseph, 2004. O que é o chavismo? Nacionalismo burguês em tempos de recolonização. In: Marxismo Vivo, São Paulo, n. 10, novembro 2004, p. 73 a 82.
(7) COGGIOLA, Osvaldo, 2008, América Latina Siglo XXI: una revolución en marcha? Mimeo.
(8)MAIELLO, Matias, 2007. Chávez, Perón y el “socialismo del siglo XXI”: los derroteros del “nacionalismo burguês” en la decadencia capitalista y sus apologistas “de izquierda” de ayer de hoy. In: Lucha de classes (Revista de Teoria y Política Marxista), Buenos Aires, n.7, p.77 a 107.

(9) LOPEZ, Juan Torres, LOPEZ, Maurício Matus, 2007. La revolución bolivariana: ambivalências internas y proyeción externa. Disponível em: www.rebelion.org.

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