Resenha do Livro de José Saramago – Todos os Nomes.

Para um final de semana e feriado mais relaxado. Páscoa de 2014




Resumo: A alegoria criada por José Saramago  no romance Todos Os Nomes é o que mais vemos por aí: são incontáveis Josés - pessoas sem nome que foram engolidas pela burocracia e pelo mecanicismo e que se tornaram meras peças orgânicas dentro da lei de sobrevivência institucionalizada que é o capitalismo.


A Conservatória Geral do Registro Civil é uma instituição secular que possui a função de catalogar todos os nascimentos e todas as mortes da cidade. Funciona em um prédio que está em constante expansão, com infinitos e grandes arquivos que ultrapassam o cabo das luminárias e terminam a uma altura escura e incerta próximos ao teto. Os nomes dos mortos ficam arquivados nos fundos da Conservatória e como os nomes de lá não voltam, apenas para lá vão, a quantidade de arquivos é gigantesca e formam um labirinto involuntário que exige que o funcionário utilize um barbante amarrado no calcanhar para não se perder e ter a mesma má sorte de outro que certa vez se perdeu e só sobreviveu graças a ingestão de papéis velhos.
Nesta instituição trabalha José, um homem sem família e vida social ou afetiva, que para fugir à angústia da sua situação pratica o seu ofício mesmo nas horas vagas; criando cópias pessoais dos dados de pessoas famosas e arquivando-as em seu quarto: um cômodo anexo à parede externa da Conservatória e que possui uma porta de comunicação interna com a mesma - recurso que foi criado para otimizar o tempo de chegar ao trabalho e com isso evitar faltas e atrasos, mas que com o passar dos anos deixou de ser uma obrigação e passou a ser uma opção aos funcionários que não tinham família e nem possuíam moradia própria. O Sr. José era o único que parecia não possuir família e com isso era o único a ocupar um dos cômodos.
O passatempo do Sr. José toma outra forma quando sem querer ele traz junto aos arquivos dos famosos o arquivo de uma desconhecida cuja foto ao contato visual do extremamente solitário José consegue o feito de fazer com que ele se apaixone por ela e a partir daí passe a tentar a qualquer custo encontra-la. Disfarçado neste interesse e nesta paixão velada, está o desespero de José em dar um sentido a sua vida, qualquer que seja ele, e o afaste da angústia e do desespero iminente agravado pela solidão que o acossa antes do sono; quando como única opção ele conversa com o teto e este - não esqueçamos que é um livro de Saramago - responde às suas indagações: "esqueces que sou o que tudo vê... observo e espero tu olhares pra cá: é pra cima que todos os homens olham quando chega o desespero".
A alegoria criada por José Saramago (este sim, um José que todos nós sabemos qual é) no romance Todos Os Nomes é o que mais vemos por aí: são incontáveis Josés - pessoas sem nome que foram engolidas pela burocracia e pelo mecanicismo e que tornaram-se meras peças orgânicas dentro da lei de sobrevivência institucionalizada que é o capitalismo. A rígida hierarquia existente na Conservatória é apenas um sutil exagero no absurdo real das relações trabalhistas em quase todos os níveis, onde pessoas com idêntica capacidade física e muitas vezes menor capacidade intelectual ocupam cargos de chefia conquistados por fatores desconhecidos; mais ou menos como o jovem, ocioso e temido chefe do senhor José. Mesmo a mais incômoda metáfora - a da porta interna de comunicação - não está muito longe da realidade; visto a existência de sistemas de rastreamento tais como telefones celulares, pagers e outros que servem para que você sempre seja encontrado onde quer que esteja caso porventura tenha faltado ao trabalho.
Além de dominar com maestria a linguagem do romance e da metáfora, Saramago ainda nos propõe a reflexão sobre a validade profissional e nos faz pensar e tentar buscar uma saída para não sermos engolidos por um sistema de trabalho que pode exterminar o nosso ser social e nos deixar às margens do desespero e do vazio.
 OBS: encontrei essa resenha em meus arquivos de literatura, mas sei que não elaborei. Não está identificado o autor (equívoco na época de não ter anotado).

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