Desabafo: Ah, essa Permanente Metafísica que Impregna a Ciência do Direito e Certos Juízes: esse tal Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Saber Direito: dignidade da pessoa humana
TV Justiça
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Resumo: O princípio da dignidade da pessoa humana, tão na moda no judiciário e na ciência do direito, reflete a metafísica ideológica que esconde os conflitos sociais, reafirmando a existência de uma esfera de assuntos gerais, de interesse público, a cargo do Estado. Cabe é constituir a práxis, a atividade material (e não somente humana) capaz de subverter as condições sociais de existência historicamente injusta, de exploração e opressão.
A expressão da
moda na ciência do direito é o uso da expressão dignidade da pessoa humana. Alguns devem ter visto seu uso nas
constantes transmissões da TV Justiça, em documentos jurídicos ou quem sabe
outros já viram o uso em caso pessoal? Trata-se de pura metafísica ideológica.
A bem da
verdade, esse modismo é um estrangeirismo que já vem desde o final da segunda
guerra mundial, predominantemente, via Alemanha. Mas não estou aqui para
historiar esse tal princípio. Estou cá agora para desabafar, pois livros e
livros, textos e tintas já foram e estão sendo escrito para “historiar e
explicar” o princípio da dignidade da pessoa humana. A “moderna” corrente do
ativismo jurídico usa a expressão com a mesma facilidade com que encontramos
arroz nas festividades.
É verdade que há
quem encontre tal princípio no Código de Hamurabi... Aliás, para alguns
pesquisadores do Direito, esse código tem um certo fetiche de perfeição. Se encontra tudo lá: o primórdio do
ministério público, os contratos civis, as partes do processo, as servidões administrativas... Creio
que há um certo gozo em recuperar todo e qualquer instituto jurídico desde o
Código de Hamurabi. Deve existir alguma excitação quando o pesquisador cria uma
correlação com o Código de Hamurabi, mas aí só Freud explica...
Voltemos ao
foco! O princípio da dignidade da pessoa humana, que nas outras ciências
sociais/humanas equivaleria (com adaptações) a “moral crítica” ou ainda “os princípios
da sociedade moderna e democrática”, são valores que aparecem, aos juristas e
juízes, na função de uma suposta neo-divindade
ou totalidade supra-sensível.
Ocorre que toma-lo
como algo que existiu desde sempre ou que é efeito de um processo evolutivo da
sociedade (que se tornou democrática e moderna) é estabelecer uma causa imaginária (abstração) para o que pode ser
explicado em outros termos, por meio da contextualização, isto é, do exame da análise dos conflitos sociais
da dominação e exploração.
Ora, tudo que tem algum valor não o tem por si,
em si ou por sua própria natureza. Abarcando certos pontos de vista de
apreciação, o próprio valor já supõe uma dada avaliação. Ele mesmo depende
dela. Daí que, o valor da inerente dignidade da pessoa humana, da sociedade
moderna e democrática, da moral crítica, ponto de partida para a avaliação, é
ele próprio instituído como base em uma determinada apreciação valorativa. Portanto,
deve-se refletir sobre o valor do princípio da inerente dignidade da pessoa
humana, da sociedade moderna democrática e da moral crítica, procurando saber de onde partiram as
apreciações que os engendram e que funções e efeitos desempenham.
Os juristas, ao
não procederem a tais indagações e reflexões, ao contrário, adotando-os como princípios inquestionáveis e de valor
absoluto (tal porque citado na doutrina ou na jurisprudência), estão
criando aquilo que negam fazer: não estão contextualizando os valores jurídicos
(políticos) e sim recorrendo a valores que transcedem.
Os juristas e o
judiciário estão, pois, tomando certos valores como absolutos e necessários,
ignorando indevidamente as circunstâncias de aparecimento desses valores, seus
efeitos e funções.
É bom lembrar
que nosso pensamento, como nossos sentidos tão físicos, é ele próprio o produto
da história com a qual ele se vê diante de si. Todavia, parece que a Ciência do
Direito prefere criar em sonhos para si própria um progenitor mais nobre, pois
imagina que esse ou aquele instituto surgiu simplesmente da cultura anterior,
ou da imaginação individual sem obstáculos.
A história (o
mundo real) de alguma forma sempre escapa ao pensamento que quer abarcar tudo.
Marx, como dialético que era, destaca o campo aberto, dinâmico e interativo das
coisas. Com sua ironia direta, detestava os pretensiosos sistemas que podiam
abranger toda a realidade em seus conceitos, tal como o idealismo hegeliano. A
ironia maior é que seu trabalho adotou, para alguns segmentos, essa postura
inócua de construção de sistema.
Pois bem, o
marxismo não poderia ter surgido na época do Código de Hamurabi, ou mesmo que
Cristo tenha sido o primeiro socialista da história, uma vez que o marxismo é mais do que
um simples conjunto de ideais brilhantes que qualquer pessoa, em qualquer
época, pudesse ter tido. É em vez disso um fenômeno situado no tempo e espaço,
que reconhece que as próprias categorias pensadas (trabalho, mercadoria, indivíduo
etc.) só poderiam ter emergido da herança do capitalismo e do liberalismo político.
O que se alega é que a partir do reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, o ser humano egoísta, particularizado, atomizado na vida popular, no dia-a-dia, na sociedade civil é substituído pela consciência de que todos têm a mesma dignidade. Nesse momento, o Estado prepara-se para inserir o particular, atomizado, o ser isolado individual, na universalidade de todos. Usa-se a o termo "apaziguar conflitos" - agora mediado pelo tal princípio da dignidade da pessoa humana.
O Estado faz isso através do seu aparato jurídico, especifico da esfera do judiciário e entes afins - o vasto corpo de funcionários e procedimentos encarregados de integrar no universal as esferas particulares e de ser, concomitantemente, um momento de particularidade (solução do caso concreto).
Portanto, quando
se falar em princípio da dignidade da pessoa humana, torna-se importante
apreender como enraizado nas próprias condições materiais que ele procura se
sobrepor. E isso merece um exame melhor, afinal se a base das relações sociais é injusta e contraditória, até que ponto ele promove ou esconde essa injustiça, e qual seria sua funcionalidade?
Tal como a crítica ao sujeito de direito abstrato, o princípio da dignidade da pessoa humana é inerente a qualquer ser humano, concebido como um "ser único" e "mesma natureza".
Devemos acenar para o caminho que busque, entre os indivíduos aparentemente atomizados ou isolados na sociedade civil, a intermediação material que os unifica e faz movimentar a sociedade. Explica-se: descobrir e trilhar a via, no interior da vida popular ou da atividade empírica, a práxis (a atividade material e não somente "humana") capaz de subverter as condições sociais injustas, de opressão e exploração. O texto sobre a democracia socialista é um bom caminho.
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