FALA PAPA FRANCISCO! FALA! NÃO ABAIXE A CABEÇA PARA O MURO QUE EXPROPRIA A PALESTINA.

Resumo: Utilizando a mesma peça publicitária do Papa Francisco em recente visita ao Estado de Israel, o texto abaixo foca, em primeiro lugar, no regime totalitário que Israel impõe cotidianamente à Palestina para além dos tradicionais ataques militares. E, secundariamente, desnuda a versão 2.0 (ainda que sem 1 pulmão) do “Papa é Pop”, que em nada contribuiu para a liberdade palestina.

Seu Chico, não abaixe a cabeça. Olhe pra frente. Olhe para o lado. Veja a Palestina


      A foto do papa Francisco que viajou pelo Mundo mostrando-o no pé do muro que separa o espaço israelense do palestino, na Cidade de Belém, foi vendida como símbolo de repúdio à guerra, ao desamor, à intolerância religiosa (1). Mas do que uma realidade política ou de uma ação concreta nos estreitos limites do que pode fazer o Vaticano no presente caso, a fotografia serve para reforçar a ideia de um futuro de paz na Terra Santa – quiçá porque basta a vontade dos homens de boa vontade das três religiões monoteístas.
         É lamentável desapontar àqueles que com camisas brancas, gritam pela paz. É lamentável desapontar àqueles que, supostamente repudiando todo e qualquer “envolvimento político”, querem a paz. É lamentável desapontar àqueles que explicam, pormenorizadamente ou como rábula, tanto faz, que a religião é amor entre os homens (sic) e não fanatismo. Mas a ação simbólica da versão 2.0 do Papa é Pop serve muito mais para os opressores e exploradores, do que para os oprimidos e explorados. Senão vejamos.
O SIMBOLISMO FUNCIONAL DO PAPA
         Uma das marcas registradas da versão 2.0 do Papa é Pop é o seu voto de pobreza, sua simplicidade, seu desapego das coisas terrenas, tal como ventilado exaustivamente pela propaganda da igreja católica apostólica romana (nota 01). Para além do modismo rêtro de um Papa Pop anos 80 (sic), era preciso um papa que compusesse com o sistema capitalista sem desafia-lo com as ferramentas da teologia medieval. Em termos mais diretos, o Vaticano aprendeu que time que está ganhando não deve ser mudado, daí o retorno de um populista e o fim melancólico de um teólogo alemão que noticiou e se autointitulou “sem condições físicas e mentais para guiar o rebanho”. O que, no meu pensamento íntimo, não me trouxe nenhuma novidade.
Mas avancemos no texto. Conta a história que “o papa Júlio II encomendou a Michelangelo um grandioso túmulo, em cujo projeto original constavam nada menos que 40 estátuas de mármore em tamanho real, que nunca foi concluído. Acabou com seis estátuas, sendo apenas três de autoria de Michelangelo. Uma delas, representando Moisés, é considerada a mais perfeita escultura realizada pelo artista. Surpreso com o resultado desse trabalho, Michelangelo teria batido com o martelo na estátua e gritado: Parla, parla!" (2)
É por isso que correndo na frente da principal crítica que se faz à igreja católica apostólica romana (opulência, megalomania, extravagância), a versão 2.0 do Papa é Pop fez logo a divulgação da sua proximidade com o historicamente bem quisto Francisco de Assis, subliminarmente dizendo acerca de uma nova reforma da igreja em pleno século XXI, como por exemplo, enfrentando os pedófilos e os gestores do banco do Vaticano. Muito embora não se tenha efetivas notícias sobre esse enfrentamento, pois a divulgação é que as mudanças são silenciosas, discretas, e que vários padres foram afastados de suas funções (Nota 02). Por sua vez, nenhuma dificuldade deve ter sofrido o recente papa, porque o então Bispo de Buenos Aires já andava de metrô. (Nota 03)
Todavia, a oração da versão 2.0 do Papa é Pop é uma velha conhecida dos brasileiros: “é dando que se recebe”. Ou seja, sob o simbolismo de uma oposição mais fiel ao capitalismo, se garante e se ajuda a estabilizar o que os economistas chamam de “demanda agregada”, aqui ironicamente transferida para a esfera política. Explica-se.  Sabe-se que o sistema capitalista tem se beneficiado muito com a ascensão de estéreis contramovimentos aos governos do lucro e do mercado. E esses contramovimentos – anteriormente representados pela camisa branca, grito de paz, pseudoausência de envolvimento político e todos abençoados por deus (sic) – funcionalmente impede o capitalismo de destruir o seu não alicerce capitalista, a saber, confiança, boa-fé, altruísmo, solidariedade no meio da família e na comunidade, e assim por diante. Sob o keynesianismo e fordismo, protege-se o sistema capitalista das crises oriundas da demanda agregada, especialmente em recessões, ou seja, funcionalmente outros objetivos são buscados pelo sistema capitalista para torná-lo sustentável.
No caso em questão da opressão e exploração do Estado de Israel aos palestinos, a foto da versão 2.0 do Papa é Pop direciona o debate para “o respeito religioso”, a “convivência religiosa”, o repúdio “ao fundamentalismo religioso”, despudoradamente maquiando a exploração e a opressão ali existente. Trata-se, pois, do uso ideológico da religião e da paz para omitir a realidade posta. Essa realidade é de um Estado totalitário que esmaga os palestinos (vide próximo tópico).
Aliás, as perguntas que não são feitas, mas que permanecem latentes pelo senso comum são: Quem são àqueles que não respeitam a religião alheia? Quem são os fundamentalistas religiosos? Quem são os que não “sabem conviver com a diferença religiosa”? Ora, a grande mídia internacional impregnou, dia após dias, o senso comum dos “cidadãos ocidentais” (no uso de um eurocentrismo), de que os palestinos, árabes, mulçumanos, islamitas (todos são iguais e a mesma coisa – nota 4) são, genericamente, terroristas. Eles explodem crianças-bombas e não aceitam o Estado de Israel. Este apenas estar a se defender. Em algumas oportunidades, diante do paradoxo da realidade, aquela mesma mídia noticia de modo acrítico, e bastante higienizado, que centenas de crianças palestinas morreram ou que palestinos estão desabrigados pelas bombas que caíram.
Destaque-se aqui a sutileza da falsa existência de pluralismo político e midiático, uma vez que essas notícias novamente reforçam a tese (tão cara ao cristianismo da igreja católica apostólica romana) de que a “culpa” é do próprio palestino que escolhe o Hamas ou qualquer outro grupo religioso fundamentalista. Existe, então, um círculo vicioso que retroalimenta a exploração e a opressão a causar inveja a qualquer nefasta propaganda nazista contra os judeus que a então mídia alemã – austríaca tenha confeccionado.
Portanto, o quê dizem os que se iludem com a mensagem de paz emitida pela foto da versão 2.0 do Papa é Pop? Mais uma vez se acusará, ou se culpará – para utilizar a “culpa” como paradigma da igreja – os palestinos pobres, desabrigados, invadidos, com parentes/amigos/familiares mortos de serem violentos e fanáticos? Não seria a hora da versão 2.0 do Papa é Pop exercer uma pressão mundial real e efetiva de compromisso e para forçar o fim da colonização da Palestina, similar ao patrocinado pela versão original do Papa é Pop, o finado Karol Wojtyla, contra os então regimes totalitários do Leste Europeu, exemplificado na Polônia?
Ou de modo mais simples e direto: nos limites do poder de Chefe de Estado do Vaticano, ao invés de uma peça publicitária fotográfica que lhe traz simpatia mundial, ainda que se aproveitando de mortos, desabrigados e violentados, poderia se exigir seriamente o cumprimento das regras internacionais de direitos humanos...
... Ou corre-se o risco de Israel afirmar sobre a insignificância do Estado do Vaticano? Ao menos a mídia local e italiana não seriam tão capachos, como a mídia brasileira, de apoiar a ofensa. Senão pela pessoalidade do (a) Chefe (a) de Estado brasileiro, mas por saber que a posição é favorável aos que estão morrendo em uma luta absurdamente desigual.
Portanto, colocando-se ao lado dos defensores da paz e ao modo Michelangelo: Fala papa Francisco, fala!
A IDEOLOGIA DO PEDIDO DE PAZ
Se a versão 2.0 do Papa é Pop faz pose para uma foto que representa uma preocupação com o conflito Israel versus Palestina, que sua prioridade é a paz, e se, ao mesmo tempo, a única medida adotada é de reforço ao estigma dos palestinos como “todos mulçumanos são fundamentalistas”, evidentemente que aquela foto mais esconde a realidade do que revela. É uma mensagem que esconde o essencial, na verdade, inverte a realidade.
Por que a mensagem da foto é ideológica? Porque ao contrário da foto refletir a busca pela paz - que se daria pela união desinteressada entre palestinos e israelenses –, omite-se a existência de um Estado que impõe um regime totalitário aos palestinos. Diversos fatos reforçam essa afirmativa, exemplifique-se: a existência de presos políticos palestino, a expropriação de terras, a limpeza étnica e o nacionalismo étnico que dirige o Estado de Israel.
Sabe-se que dezenas de palestino são presos políticos. Geralmente eles fazem greve de fome contra a chamada “detenção administrativa” ordenada por autoridades militares por suspeita de participação em atos contra o Estado de Israel. Dois pontos aqui são importantes:
(a) a prisão se faz por decreto e sem o devido processo legal e ampla defesa. Aliás, o grau de arbitrariedade é tão absurdo que basta o mando da autoridade militar sem nenhuma necessidade de fundamentação desse ato, sem exigências de prévias provas ou indícios e sem a capacidade do acusado explicar ou apresentar, ainda que de modo informal e oral, sua defesa. Não se garante nenhuma possibilidade do acusado eventualmente ter condições de provar sua inocência. Aliás, não existe nenhuma possibilidade do Estado de Israel provar a culpa, pois não há processo.
Portanto, o mero pedido de paz como uma medida que deve ser adotada, igualmente, pelos dois lados do conflito esconde a desigualdade de direito e de fato entre palestinos e israelenses na solução do conflito. Israel é um Estado. A Palestina tem uma organização para a formação de um Estado. Israel é armado até os dentes e dispõe de armas nucleares e de destruição em massa. Os palestinos dispõem de seus corpos. Israel dispõe de estrutura político-administrativa-financeira, apoiado internacionalmente, enquanto a Palestina dispõe, mau e porcamente, e dependente da vontade de Israel de ajuda humanitária internacional. O Estado de Israel pode se valer do direito nacional e internacional e a palestina, sequer no âmbito formal, dispõe de mecanismos para se valer dos fundamentos basilares de coerção – normativa e formação de tratados internacionais. Israel apropriou-se da já sucateada infraestrutura dos palestinos (produção de energia, estradas, acesso ao mar, acesso ao espaço aéreo, comércio etc.), dispondo sobre o local de trabalho daquela população, bem como sobre a produção e prestação de serviços públicos.
 (b) Que o Estado de Israel adotou legislação que permite que os grevistas tenham alimentação forçada. Nenhuma palavra que isso viola as regras de direito internacional. É verdade que a união médica israelense – espécie de Conselho Federal – circulou nota entre os médicos e hospitais dizendo que seu conselho de ética se posiciona contra a alimentação forçada, lembrando que o compromisso médico é com o paciente, de modo a tentar preservar a sua vida e saúde respeitando a sua vontade. Contudo, nada é dito que os que estão nos hospitais sob o comando da alimentação forçada estão, também, algemados à cama, sob vigilância e incomunicáveis, inclusive, com os próprios médicos, que recebem autorização, caso a caso e momento a momento, para ter acesso ao prontuário e ao paciente.
Lembre-se: vários desses presos são ativistas políticos palestinos que lutam pela libertação nacional, sequer comprovado que eles estejam envolvidos em ações violentas ou ilegais de algum tipo, sob a jurisdição israelense.
O mero pedido de paz, com flores, camisas brancas, pombas e orações, solicita que palestinos não sejam fundamentalistas e intolerantes. É um pedido vazio, estéril, que só não é inócuo porque favorece a manutenção do “status quo” do Estado de Israel.
É cada vez mais intensificado a expropriação das áreas agrícolas do território palestino ocupado militarmente desde 1967 por Israel. Há casos esdrúxulos em que pastores ou agricultores são desalojados de suas terras porque elas passaram a ser qualificadas como “zona de fogo”, isto é, área de treinamento de tropas. Igualmente é notório o caso de Hebron, onde colonos israelenses hostilizam abertamente os nativos palestinos com a cumplicidade da polícia-militar, enquanto que inspetores destoem antigas cisternas e canais de água, algumas delas que datam da época da ocupação romana, sem a devida autorização das autoridades israelenses responsáveis pelo “planejamento dos colonos”.
De qualquer modo, alguns políticos da coalizão do governo israelense ultradireitistas abertamente defendem que o extenso território palestino já ocupado e sob ocupação militar sejam anexados oficialmente.
Por fim, mas que não significa a finalização de diversos outros exemplos possíveis de demonstrar o regime totalitário imposto por Israel aos palestinos, existe a clara identificação de um nacionalismo que prega a “limpeza étnica”. O governo de Israel produz cada vez mais políticas agressivas de ocupação militar, em fomento de construções de moradias nos territórios palestinos; além de uma ofensiva racista-nacionalista que tem como principal alvo os aproximadamente 20% dos cidadãos israelenses que são árabes – palestinos. Ou seja, o Estado de Israel defende, abertamente, que o Estado seja exclusivamente judeu.
Outro exemplo da caracterização de um Estado fundado na raça-religiosa: milhares de refugiados africanos, que fugiam da guerra civis no Sudão e Eritreia, estão presos em Negev, no sul do país. O crime cometido por tais refugiados é terem atravessado ilegalmente a fronteira para Israel em busca de abrigo, trabalho e pão, sem serem judeus, ou como carimbado em suas fichas, “sem ser qualificado para ser considerado digno de obter um estatuto jurídico suportável”, seja lá o que isso significa, senão a identificação de homens e mulheres de segunda ou até de terceira categoria. Na desgraça e absurdo do regime nazista, estes identificavam os judeus pelo símbolo da estrela de Davi em seus documentos e vestimentas. Logo após, a loucura levou a identificação no corpo e zoneamento em campos de concentração.
O que se quer dizer é que, absurdos e absurdos, parece que a sociedade israelense se voltou para a direita e é governado por políticos que se orgulham de seu aberto racismo e vontade de guerra expansionista, em pleno apogeu do mito do nacionalismo sionista...
E os bem intencionados daqui, representados pela figura da versão 2.0 do Papa é Pop, pedem paz aos dois lados, que significa ocultar a relação de opressão e exploração, justificando (deliberadamente ou não, consciente ou não, isso pouco importa) a belicosa e intolerante cruzada judaica-cristã de todas as idades e correntes sob o suposto mito do islã fundamentalista.
Não seu Chico, não é isso que você precisa esconder. Fala! Fala Papa Francisco.

Notas:
Nota 01 – Tenho dúvidas sobre a designação formal da igreja católica. Qualquer correção, por-favor inserir nos comentários. E não me exijam o uso de substantivo próprio para identificar a igreja.
Nota 02 – Gostaria de saber se algum padre pedófilo ou lavador de dinheiro foi excomungado por abusar de criança/adolescente ou por participar da máfia financeira internacional? Pode ser, ao menos, a notícia da mesma “pena” imposta ao então Frei Leonardo Boff (de silêncio obsequioso).
Nota 03 – Somente no Brasil que andar de metrô, ao invés de carro, é ser simples. Metrô é para ser usado nas viagens internacionais.
Nota 04 – A costumeira crítica que se faz aos americanos, no sentido de desconhecerem o resto do Mundo, serve para os “ocidentais” que tratam tudo e todos como islã, mulçumanos, árabes etc.


Referência:



(3) Este texto é totalmente inspirado e com trechos copiados, devidamente traduzido, do artigo “Médio Oriente: ¿Qué dirá el santo padre? ¿Qué diran ustedes?”, publicado na revista “Que Hacer”. Disponível: http://www.quehacer.com.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=881:que-dira-el-santo-padre-que-diran-ustedes&catid=125:medio-oriente&Itemid=136

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