A GENTE NÃO QUER SÓ "IGUALDADE DE OPORTUNIDADES"; A GENTE NÃO QUER SÓ “JUSTIÇA SOCIAL”, A GENTE QUER “SER SUJEITO”, ALÉM DE DIVERSÃO E ARTE, PARA QUALQUER PARTE (PARA LEMBRAR OS VELHOS TITÃS).
Ao velho bolchevique Rômulo Rodrigues, que foi uma imensa satisfação conhecê-lo nessas eleições 2014, pois com seus mais de 70 anos me mostrou como ser jovem e como renovar o pensamento.
RESUMO: O vídeo que abre esse artigo
mostra como o trabalho coletivo e autogerido possibilita que todos sejam atores
e autores da vida social. Com isso se quer dizer que a igualdade de
oportunidade não pode ser a solução para todos os males da desigualdade social
brasileira – ainda que ela tenha que ser uma política amplamente implantada. O
debate envolve a escolha de políticas sociais para além do campo da arrecadação
fiscal, da destinação orçamentária e do controle social sobre a política. O
debate da igualdade de oportunidade fechado em si mesmo impede a construção de
uma sociedade que defina democraticamente o que será produzido e distribuído da
riqueza social, como, onde, porque e por quem, isto é, tolhe a construção de
sujeitos sociais para além de cidadãos.
Muitas
pessoas questionam, ou não entendem, o significado de igualdade no socialismo. Como
regra geral, elas acreditam que o socialismo é um tanto ingênuo e utópico, pois
defende uma absoluta igualdade entre as pessoas, de modo que todos os bens
sejam igualitariamente divididos e compartilhados entre as pessoas.
Uma
ligeira digressão: Tal como recentemente a presidenciável Luciana Genro (essa
família é batata, especialmente o Adelmo Genro!) sugeriu “ir aos livros”
(clique aqui) para a um inepto e pseudo humorista (desses que são plantonista
da fama que atualmente assola o que existe de pior da indústria cultural),
sugerimos a leitura de “Crítica ao Programa de Gotha”, de Karl Marx (1);
evidentemente que sem a postura daquela candidata, pois aqui existe um diálogo
amigo e respeitoso. Pois bem, resumidamente é dito por Marx:
“o
princípio da ‘contribuição’, operativo na fase anterior ou socialista, e que
consigna a cada um parte proporcional do produto, em função de sua contribuição
à criação da riqueza social. E o princípio da ‘necessidade’, em vigência na
fase superior ou comunista, e enunciado na fórmula a cada um segundo sua
capacidade [de produzir], a cada um segundo suas necessidades” (com enxertos).
Nada
obstante, não é disso que o texto busca tratar. Aqui se quer submeter à crítica
a teoria da “igualdade de oportunidades” como solução para os males de
iniquidades sociais brasileiras. Logo, devemos ficar com aquele pressuposto,
qual seja, de que “o socialismo é um tanto ingênuo e utópico, pois defende uma
absoluta igualdade entre as pessoas, de modo que todos os bens sejam
igualitariamente divididos e compartilhados entre as pessoas”, para mostrar os
limites da “igualdade de oportunidades”.
Com
base nessa crença, tais pessoas prontamente questionam: como pode tal acontecer...
e se alguns trabalharem mais do que outros? Essa igualdade na distribuição não
seria injusta? Excelente pergunta! Não cabe nenhuma resposta senão a já contida
na própria pergunta: sim, tal ocorrendo há uma flagrante injustiça.
Entretanto,
logo aparece quem diga sobre o modo desigual com que as pessoas estão
posicionadas na sociedade. Esta expressa uma desigualdade social aberrante e
muito mais injusta porque implica em fome e morte; de modo que a questão é
remetida para outra categoria, a saber, “a igualdade de oportunidades”.
Ou
seja, tudo perpassa pela questão das pessoas terem condições, em igual pé de igualdade,
de competirem entre si; de disputarem a partir do mesmo ponto de largada. Uma
digressão: existe uma propaganda do Ministério Público nestas eleições 2014 que
questiona o abuso do poder político e econômico por meio de uma suposta corrida
de bicicleta, sendo que um dos competidores aparece de motocicleta.
O
que eventualmente pode ser omitido com a defesa da “igualdade de oportunidades”,
é que existe uma história social posta. Não dá para “passar a régua” na forma
como a sociedade foi e esta sendo. Não “dá para dá um restart” no modo como a
sociedade escolheu viver e conviver, similar a “um reiniciar” dos jogos
eletrônicos antes da barbárie, ou melhor, do “game over”.
Nesse
instante irão aparecer todas as explicações políticas, sociais e econômicas a
favor das cotas, das políticas afirmativas, das políticas públicas de inclusão
social por meio da intervenção do Estado na economia que, justamente, visam
retificar erros históricos, corrigir desigualdades postas, acolher no mercado
quem está excluído do mercado (de trabalho, de renda, de consumo etc.).
Dito
isso, poderia se pensar em uma justiça social capaz de transcender os limites
de uma sociedade capitalista? Em geral, nem sequer tal pergunta é colocada por
quem defende a justiça social e as políticas de “igualdade de oportunidades”. E
é justamente aqui que “mora o perigo”. Explico.
Em
geral, todo pensamento sobre a “igualdade de oportunidades” e as “políticas
públicas de justiça social” são independentes de qualquer tipo de
condicionamento econômico-social, sobretudo no modo de produção como o capitalismo,
concebido como a emanação “natural do espírito” aquisitivo e competitivo das
pessoas. Assim, o problema do mero discurso da igualdade de oportunidades é
omitir os meios de ações para implantar a política, de modo que ele se torna consideravelmente
débil quando se vê todo o tipo de ausência acerca das instituições e agentes
políticos encarregados de produzir o conjunto de transformações que a justiça
social requer, como por exemplo, a reforma do regime tributário (discutindo de
onde se arrecada e o destino da arrecadação), a regulação dos mercados e o
controle da contra – ofensiva dos grupos e classes dominantes.
Ora,
qualquer discurso sobre “justiça social” e “igualdade de oportunidades”, por
apontarem para uma redistribuição de riquezas, deve incluir alguma explicação
coerente da fonte, da organização, da distribuição e das funções do poder
político. Que eu saiba, o discurso da igualdade de oportunidades não tem tal
explicação. E pior, sequer se destina a debater tal assunto.
Como
interpretar essa omissão? É que o conflito de classe e o antagonismo político
se desvanecem na racionalidade perfeita dos defensores da igualdade de
oportunidade. Com bom senso ou racionalidade, sabe-se o que é o certo a fazer.
Ledo engano! Perde o Estado magicamente a condição de instituição classista e
se inclina na pseudo descomunal força da razão. E pensar que as pessoas acham
que utópico é a igualdade do socialismo...
E
mais, há no discurso da igualdade de oportunidade uma completa ausência sobre a
propriedade privada dos meios de produção, que propositadamente se confunde com
bens materiais e imateriais que aquelas mesmas pessoas podem adquirir, graças
ao “fruto do seu trabalho”. Mas tal propriedade (e aqui não mais se diferencia
bens materiais e imateriais de meios de produção) estaria sob ameaça, diante do
igualitarismo absoluto apontado pelo socialismo.
O
discurso da igualdade de oportunidade omite que o desigual acesso à propriedade
dos meios de produção traz consequências negativas para a liberdade e igualdade
– que não passam desapercebidas por ninguém. A sociedade capitalista é, de
certa forma, “refém” em mãos dos proprietários dos meios de produção, que
decidem por si e entre si, inclusive de maneira despótica e irresponsável (já
que não estão sujeitos ao controle democrático de nenhuma espécie) sobre o uso
que se vai fazer de parte considerável (e crescente) da riqueza social. Os
proprietários dos meios de produção retém, mesmos no capitalismo mais
democrático, controle irrestrito de suas decisões de investimentos: se se
investe ou não, onde e quando. (2)
Ora,
cada uma dessas decisões tem, claro, implicações de primeira ordem que vão em
detrimento da democracia e da eficiência, crescimento e estabilidade do sistema
produtivo, e, além disso, sobre as transferências distributivas que garantem,
no modelo de “igualdade de oportunidades”, as políticas de justiça social.
(Idem 2).
Chamo
atenção para aquela passagem deste texto em que a igualdade de oportunidade, quiçá
viabilizada pela política de justiça social, possibilitaria a “justa disputa”
ou a “legítima competição” como mecanismos “naturais da Natureza social das
pessoas”, ou seja lá o que isso signifique. Por outros temos, não se pode
adentrar nas razões antropológicas profundas que explicariam a pertinaz
sobrevivência da miragem “justiça social” diante de pessoas tão competitivas,
com ganas de competições, senão que como diz Chicó, personagem de Suassuna em “O
Auto da Compadecida”, “só sei que é assim”. Logo o discurso da igualdade de
oportunidade “é simples assim”.
Em
outros termos, a ideologia (ocultar o que gera a opressão e exploração,
colocando a realidade de cabeça para baixo) atua de modo flagrante: esconde do
discurso progressista a crença de que as pessoas são competitivas, daí o porquê
o sistema capitalista é “uma evolução natural da sociedade”.
É
bom se dá conta de que em outros países, tal discurso é formulado pelos
liberais, como por exemplo, foi o caso de Rawls e sua “teoria da justiça” nos
EUA. O atraso político brasileiro explica o motivo pelo qual, aqui, tal
discurso e bandeira são das esquerdas, dos progressistas, e o porquê Democrata
é o PFL, que foi PDS, que foi Arena, e que eles não defenderam cotas nas
universidades, bolsa família, redução de tributos, desapropriação para fins de
reforma agrária...
Retomando
o assunto para concluir: sabe-se que essa igualdade de oportunidades e/ou
justiça social é impossível sequer de se esboçar à margem de uma série e
rigorosa especificação das determinações econômicas fundamentais que definem o
modo de produção (como a sociedade escolhe viver e conviver) o qual pretende se
aplicar.
No
já mencionado “Crítica ao Programa de Gotha”, Marx se pergunta, não sem um
toque de ironia: “por acaso as relações econômicas são reguladas por conceitos
jurídicos? Não surgem, ao contrário, as relações jurídicas das relações econômicas?”
(1) Ou seja, a “igualdade de oportunidade” pode surgir por mera expressão da
razão e do bom senso posta na Constituição de 1988, quiçá para materializar o
princípio da dignidade da pessoa humana? “Pode a trombeta do profeta da justiça
derrubar de uma soprada as muralhas de Jericó das relações sociais
capitalistas?” (3). São boas perguntas para as quais a “solução da igualdade de
oportunidades” carece de resposta.
Portanto,
que fique claro: o problema da “solução da igualdade de oportunidades” é seu
limite, jamais o seu não uso, especialmente diante da desigualdade social que
ainda perdura no Brasil. A questão dos defensores daquela solução é a sua
impossibilidade política e epistemológica de ultrapassar o perímetro da
sociedade capitalista, mesmo com louvável boa intenção de fazer o bem.
Afinal,
entre aqueles que defendem a igualdade de oportunidade como solução para os
males da iniquidade social do Brasil e aqueles que, com raiva, ódio,
irracionalidade e linguajar chulo, criticam as políticas sociais de “igualdade
de oportunidade” por criar castas de preguiçosos, marginais, improdutivos,
ineficiência econômica, defendendo o capitalismo e a sociedade de mercado a
qualquer preço, há imensa diferença.
É
que o acordo pontual entre ambos (a defensa do modo de produção capitalista)
não significa que eles são iguais. Um são “filósofos burgueses”, pessoas que
pensam o bem, daí também chamados de pensamentos progressistas. Os outros,
lamentável, sabendo ou não, são apologistas brutais do capitalismo, capazes de
sacrificar as pessoas no altar do livre mercado.
Em
conclusão: O texto busca,
(a)
reconhecer que o discurso e ações acerca da “igualdade de oportunidade” se
justificam em nosso Brasil diante das iniquidades sociais que ainda permeiam a
nossa sociedade, apesar dos avanços e dados que apontam melhoras. E
(b)
demonstrar que o discurso da igualdade de oportunidades omite tanto a enorme disparidade
de salários entre a classe trabalhadora, como quais seriam as instituições e
agentes políticos encarregados de produzir o conjunto de transformações que a
justiça social requer; bem como esconde o debate sobre a propriedade privada
dos meios de produção, pressuposto fundamental para a efetiva associação de
indivíduos livres, constituindo sujeitos sociais, e de uma autêntica sociedade
emancipada.
Referência:
1. MARX. K. Crítica
ao programa de gotha. São Paulo: editorial Boitempo. 2012. Trad. Rubens Erdele
2. BORÓN, Atílio.
Justiça sem capitalismo, capitalismo sem justiça. In. VITA, Álvaro et ali.
Teoria e filosofia política. São Paulo – Buenos Aires: USP – CLASCO, 2004. p.135-155.
3. PAULINO.
Robério. Socialismo no século XX. O que deu errado? 2º ed. São Paulo: Letras do
Brasil, 2010.
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