O USO DO DISCURSO DE ESQUERDA NO PERÍODO ELEITORAL E A FALÁCIA DO ARGUMENTO DE UMA ESQUERDA QUE A DIREITA GOSTA.


Ao prof. Gilberto Calil.

Três perguntas estão a desafiar a compreensão das eleições 2014 e o avanço da democracia e da justiça social após o período eleitoral:


(a) Por que a ameaça Marina Silva fez com que os dirigentes políticos das diversas matrizes de esquerda recorressem aos seus militantes para que esses voltassem ao primeiro plano da cena eleitoral?

(b) Quais as reais garantias desses grupos de militantes ou tendências de que a retórica eleitoral se torne um pouco mais efetiva na hipótese de  vitória eleitoral?

(c) O que é proposto, pelos dirigentes políticos que hoje reclamam dos ataques “da única oposição que existe no Brasil”, também já chamada de “4º Poder”, para ir além do lema liberal de “governo do povo, para o povo e pelo povo”, para ser um GOVERNAR COM? 


É preciso começar a submeter à crítica três aspectos que, entre outros, se destacam nestas eleições de 2014 com mais intensidade, muito embora sejam questões já encontradas e que vem amadurecendo a partir de todas as recentes eleições brasileiras.Os aspectos estão expressos nas indagações que resumem o presente texto, que podem ser reformuladas da seguinte forma:

(a) Qual a razão de se ter posto os marqueteiros, com suas relativamente válidas teorias e técnicas de comunicação, em igualdade de posição com aqueles que querem politizar as questões, sem o rótulo de “pessoas muito ideológicas” – como se isso fosse pressupostamente ruim/negativo, portanto, de cara um desqualificador?

(b) De que modo se pode superar o antidiálogo do argumento de autoridade: “não se pode sequer discutir tal aspecto, visando algum consenso, porque o governo não quer”. Nunca se diz quem é esse governo, tal como em situações análogas não se identifica o que é “o mercado”, apenas que ele está nervoso, ficou calmo,  reagiu assim ou assado?

(c) De que modo podemos radicalizar a democracia participativa e o controle popular na tomada, execução e mudanças de decisões (para “estupidamente” muito mais do que o mero decreto dos conselhos)?

Pois bem, creio que algum tipo de debate começa a ser enfrentado a tais desafios. Dois artigos fazem um recorte para além das imediatistas reais questões que pairam sobre o Brasil, tais como, exploração do pré-sal; autonomia do banco central, entre outras, e avançam no debate.Trata-se do artigo de Wladimir Safatle (esquerda sazonal, publicada no Jornal Folha de São Paulo - Nota 1) e  Valerio Arcary (Quem é a esquerda que a direita gosta? publicado no site do PSTU – Nota 2).“(...) Por volta no mês de agosto dos períodos pré-eleição presidencial, aparecem cerejas muito vermelhas, quase protorevolucionárias, vindas de árvores governistas que pareciam há muito dar apenas os conhecidos frutos amargos da austeridade. Então, quase que em um passe de mágica, começamos a ouvir na campanha eleitoral discursos com sabores proibidos de luta de classe, diatribes contra o sistema financeiro, promessas de investimento massivo em educação pública.Mutações incríveis ocorrem, como governos que permitiram osmais fantásticos lucros bancários da história, alimentando o sistema financeiro com títulos da dívida pública e juros exorbitantes, apresentarem os bancos como inimigos do povo.Tudo muito bonito. Infelizmente, a estação das cerejas vermelhas termina de forma abrupta no dia 27 de outubro, logo após a consagração do segundo turno das eleições presidenciais. Então as árvores voltam a dar os frutos cinzas que todos conhecem. (...)”.Por sua vez, Valério Arcary nos lembra muito bem como o sucesso eleitoral foi gerando uma tendência para que os líderes partidários abandonassem metas de longo prazo para ganhos imediatos. O crescimento mais ou menos suave do apoio eleitoral de ano para ano, alguma limitada expansão da economia combinada com muitos anos em que a luta de classes permaneceram em baixa (devido a propositada despolitização), diante de uma certa redução da desigualdade de renda, reforçaram as tendências comodistas, de profissionalização do político e do pior reformismo, pois sequer algum tipo de reforma foi encarada como mera tática, mas sim como ponto de chegada.Diz o referido artigo: “ (...) a crise de direção do proletariado. Mas como este conceito é muito mal interpretado, para resumir, portanto, simplificando, repousam ainda, entre outros fatores: (a) na avalanche de votos que se dirigiram para Marina como uma mediação que, embora esteja em uma aliança com a oposição de direita, não é assim percebida por esta parcela da juventude trabalhadora que a vê como uma alternativa e, para não poucos, até à esquerda de Marina; (b) no estágio de imaturidade política desta geração de trabalhadores jovens, um processo no qual o PT, depois de 12 anos no poder, tem responsabilidades, como ficou mais uma vez escancarado com o novo escândalo da Petrobras e as “relações perigosas” com o PP de Maluf, o PMDB de Sarney, etc.; (c) na falta de confiança dos batalhões mais maduros dos trabalhadores em suas próprias forças, que leva a que as propostas da oposição de esquerda, ainda que indispensáveis, pareçam demasiado radicais, e o voto no PT, apesar do reformismo quase sem reformas, um mal menor; (d) no fenômeno mais amplo das ilusões no próprio processo eleitoral como via indolor para a transformação econômico-social do país, o que, evidentemente, não é possível. (...)”.Portanto, a famosa frase de Frei Beto logo após o governo Lula ter assumido a presidência do Brasil, de que “o PT conquistou o governo não o poder” precisa avançar para que se defina o alcance dessa tática eleitoral.Com efeito, a única mudança que Marx e Engels fizeram ao Manifesto Comunista veio depois da Comuna de Paris de 1871 (quando, por um breve momento os operários armados de Paris assumiu o controle da cidade e formaram suas próprias instituições da democracia direta). A Comuna ensinou a Marx de que a classe operária não pode se apoderar da máquina estatal e utilizá-la para seus próprios fins, uma vez que como o Estado é projetado para aplicar a regra da classe economicamente mais poderosa, não se conseguirá simplesmente tomar o Estado e usá-lo por trabalhadores para criar uma nova sociedade – a sociedade socialista.



Referências:

Nota 1 - Wladimir Safatle (esquerda sazonal, publicada no Jornal Folha de São Paulo. clique aqui

Nota 2 - Valerio Arcary (Quem é a esquerda que a direita gosta? publicado no site do PSTU. clique aqui








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