NÃO SÃO CRÍTICAS ANTICAPITALISTAS SELECIONAR PALAVRAS E/OU FRASES FORA DO CONTEXTO, OU USAR JARGÕES E RÓTULOS PARA DESQUALIFICAR TEXTOS/POSTS: RESQUICIOS VULGARIZADOS DOS COVEIROS DAS LUTAS SOCIAIS OU DESONESTIDADE INTELECTUAL? AMBAS.
RESUMO: Este texto esmiúça como agem perfis
que, sob o amplo espectro das esquerdas, são desonestos intelectualmente ao adotarem
frases prontas, estigmas, usam o mesmo argumento em toda e qualquer falsa
análise de textos de esquerda postados nas redes sociais. São robôs e/ou
crentes dogmáticos que trabalham para os coveiros das lutas sociais (sejam conscientes
ou não disso). A luta anticapitalista precisa de qualificação, pois submeter à
crítica a realidade posta é um dos primeiros desafios do combate às amarras da
opressão e da exploração. Raros os que, com sabedoria e estudo percuciente, conseguem
fazê-lo. A tão falada rede social como espaço dos “trolls” não pode ser
reforçada pelos que lutam pela emancipação, inclusive porque não agregam
militantes e nem pensamentos.
1) INTRODUÇÃO
Para entender melhor o objeto deste texto, vamos construir
um exemplo (nesta introdução), para em seguida destrinchar, pormenorizadamente,
como se faz uma leitura e crítica honesta e ética (tópicos seguintes). Logo,
vamos considerar, hipoteticamente, que seja submetida à crítica marxista o
texto de James Petras, “O Brasil e a
política do neoliberalismo: Presidente Rousseff declara guerra à classe trabalhadora” (clique aqui);
bem como o texto de André Singer, sob o título “O CRITÉRIO DA VERDADE” (clique
aqui), que trata da relação entre o discurso de posse de Dilma, a campanha
eleitoral de 2014 e o programa de redução de benefícios
trabalhistas-previdenciários. (nota 1)
A hipotética crítica que mencionamos expressa, para
ambos os textos, que são textos “coxinhas”, “enganadores”, “não passam de uma
escondida defesa do atual governo brasileiros petralha” porque “defendem
banqueiros e toda a burguesia”.
Como saber se a crítica é válida (ou correta), ou se se
trata de desonestidade intelectual?
Cabe ler o texto principal e examinar os argumentos que “justificam” tais
assertivas expressas na suposta crítica. Mas a questão não é fácil assim quando
os usuários da rede social traçam como zona de confiabilidade apenas os
rótulos, jargões e, principalmente, quando a suposta crítica aparenta “transcrever
o texto principal”.
É importante observar como a “tal crítica” é construída.
Qual o elemento que ela trabalha para mostrar o que a aparência do texto
principal indicava o contrário? Ou seja, argumento aqui não a mera citação de
autores (por mais importante e reconhecido que ele seja) ou o argumento oco,
desprovido de desenvolvimento e de esforço intelectual.
No nosso caso proposto, acreditem, os supostos argumentos
da crítica limitam-se, no texto de James Petras, que este “não considerou o
corte de R$ 18 bilhões promovido pelo Estado brasileiro no seguro desemprego e
pagamento de pensões”. Aliás, consideremos que a pseudo crítica (conforme
demonstraremos neste texto) elenca mais alguns fatos que “comprovariam” a
ameaça aos direitos sociais, mas que “foram omitidos porque há uma busca em
defesa da burguesia e da troika”.
No caso, James Petras escolheu um único fato (escolha de Levy para o Ministério da
Fazenda), e o qualificou por meio da
demonstração de várias consequências que decorrem (aqui sim, há um
farto e múltiplo rol de implicações decorrentes do único fato), para ao final
concluir que a política econômica do banqueiro ameaça os direitos sociais.
Considerando não se tratar daqueles casos em que a
leitura é feita, mas não compreendida ou sequer entendida (analfabeto
funcional), perguntaríamos se a enumeração exaustiva de fatos é elemento necessário
e suficiente para amparar uma tese. E mais, as ausências dos fatos
impossibilitaram as conclusões do texto de James Petras, isto é, o
desenvolvimento de sua tese restou prejudicado porque não contou com todos
fatos? Convidamos vocês a lerem o texto, clicando naquele link específico da
nota 1.
Mas o mais grave: também foram utilizadas como
“fundamento para afirmar que o texto é burguês” (e isso colocado como a última
e a maior das ofensas) trechos
selecionados de frases e/ou expressões completamente descontextualizadas,
como por exemplo, trechos que falam do recente pleito eleitoral que garantiu a
reeleição, daí o uso do termo “renovado governo”. Mas que na falsa crítica
aparece como se o autor estivesse defendendo a crença absoluta no processo
democrático realizado. Ou mais, como se o uso da palavra “renovado governo”
trouxesse o sentido de uma renovação política, um crédito que foi dado ao novo
governo que muda para ser um novo; e não a literalidade expressa no próprio
texto original de que “renovado” (feito de novo, um novo) correspondente ao
processo de reeleição. Vamos a alguns exemplos concretos:
No texto (a) original
de James Petras
ele, em dado momento, reconhece a existência de alguns avanços sociais nos
últimos doze anos de governo Lula-Dilma, a saber: “A classe trabalhadora
brasileira está a enfrentar o mais selvagem assalto aos seus padrões de vida em
mais de uma década. E não são apenas os trabalhadores industriais que estão sob
ataque. Os trabalhadores rurais sem terra, os empregados assalariados do sector
público e privado, professores, profissionais da saúde, desempregados e pobres
estão a enfrentar cortes maciços no rendimento, nos empregos e nos pagamentos
de pensões. (...) Quaisquer que tenham sido os ganhos obtidos entre
2003-2013, serão revertidos. (...) Para a presidente Rousseff e seu mentor,
o ex-presidente Lula da Silva, toda a economia deve ser direcionada para obter
a "confiança" da classe capitalista. As políticas sociais que
foram implementadas anteriormente são agora sujeitas à eliminação ou
redução, pois o novo czar financeiro, Joaquim "Jack o Estripador"
Levy, avança na aplicação da sua "terapia de choque". Cortes
profundos e abrangentes na parte do rendimento nacional que cabe ao trabalho
estão no topo da sua agenda. O objectivo é concentrar riqueza e capital nos dez
por centos superiores na esperança de que invistam e aumentem o crescimento. Se
bem que a nomeação de Levy represente decididamente uma viragem para a
extrema-direita, as políticas e práticas económicas dos doze anos anteriores
prepararam os fundamentos para o retorno de uma versão virulenta da ortodoxia
neoliberal”. (trechos marcados).
O que diz (a.1) a
pseudo crítica ao texto de James Petras: usa de verborragia e deturpações para afirmar
que James Petras afirmou (sic) que os trabalhadores ganharam, ou
avançaram conquistas, durante o governo Lula-Dilma, bem como que somente agora
o governo mudou, tornou-se de extrema direita; o que mostra ser texto
“coxinha”, “burguês”, “pró-mercado”, “favorável ao capitalismo”, pois desde
sempre são “governos pelegos”. E transcreve apenas os trechos acima marcados.
E isso se dá porque o pensamento desse pseudo crítico é
linear e de apenas uma variável em jogo – logo, incapaz de pensar dialeticamente. No caso, o falso crítico
“não pode aceitar” a existência de nenhum ganho do trabalhador, ainda que seja
ganho pontual e que será, mais adiante, revertido – como diz o texto de James
Petras. Não! Por ter necessidade de apenas afirmar a sua crença dogmática, o
pseudo crítico muda o contexto das frases e trechos, ainda que isso represente
se debater e negar fatos, para não sair da zona de conforto, que requer pensar
o Mundo de modo complexo, com variáveis que exigem raciocínio dialético.
Vamos citar como outro
exemplo o texto de André Singer. Diz o texto original: (b) “Desde o início, neoliberais
procuraram mostrar, por exemplo, que, nos países avançados, as transferências
de renda para a força de trabalho desempregada tinham produzido gerações de
preguiçosos. O apoio àqueles que temporariamente não encontravam colocação
teria sido "distorcido" na forma de um estilo de vida permanente
baseado na previdência pública. A força do argumento está em que ele
corresponde à verdade em certo número de casos. Com efeito, é plausível que
alguém prefira viver com o muito pouco ofertado pelo Estado do que aceitar uma
vaga no mercado, em geral precária. Em nome disso, muitos direitos foram
diminuídos nas últimas décadas mundo afora”.
O que diz a pseudo
crítica: (b.1) que
André Singer é sabidamente neoliberal porque “foi secretário de redação do
jornal Folha de São Paulo (1987-88) e Secretário
de Imprensa do Palácio do Planalto (2005-2007) e porta-voz da Presidência da República no
primeiro governo Lula, (2003-2007)”. É “organicamente
comprometido com os burgueses e capitalistas”. Ou seja, usa critérios extra
texto, que estão fora do texto (aqui se falará mais adiante sobre) para fazer a
crítica.
E mais, o pseudo crítico assume que “as transferências
de renda para a força de trabalho desempregada produziu gerações de
preguiçosos”, afinal ele confirma que “a força do argumento está em que ele
corresponde à verdade em certo número de casos”. Aqui o pseudo crítico dá um
grito de eureka, cheio de exclamações: “tá vendo, ele é neoliberal!!!!!”.
Aliás, o pseudo crítico diz ainda que o texto é muito claro nesse aspecto
porque ele próprio (o texto) assume que “é plausível que alguém prefira viver
com o muito pouco ofertado pelo Estado do que aceitar uma vaga no mercado, em
geral precária”.
Acreditamos que a desonestidade
intelectual, sob a modalidade de modificar o sentido das palavras e
frases, ficou exemplificada de modo clarividente nos exemplos postos.
Retomaremos o assunto com detalhamento no tópico “sobre críticas e refutações”.
Alguns podem está nos perguntando: como o pseudo crítico chegou a tal conclusão? Só não foi lendo o
texto e sim lendo o que queria ler. Como é possível tamanha excrescência?
Isto não é objeto deste texto. No máximo sabemos que existem algumas teses (que
particularmente não compartilhamos por não termos aprofundado o tema) de que se
trata de pessoas que vivem (viviam) em letargia e oscilavam feito um pêndulo
entre explosões, ira e silêncios depressivos, pois com uma vida carente de
firmeza, “apegavam-se” a ideologia marxista para ter algum sentido. Ou seja, (a)
aderem à causa diante da frustração da qual não conseguiam sair. (b) Aparentam forte
convicção e até conhecimento devido o uso de jargões, mas como todos os casos
de esquizofrenia, apenas acreditam no que existe, (somente) em suas próprias
mentes. (c) Encontraram no marxismo o espaço para sua fúria, então, vão aos
comícios, reuniões, coletivos e mundo virtual (redes sociais) para pedirem aos
gritos o fim da ditadura, da monarquia, da ordem burguesa, a desintegração do Estado
e de suas instituições retrógadas. Um
bom exército de cães para os coveiros do socialismo (parafraseando
conhecida frase sobre Stalin), porque o ódio da frustração pessoal é uma das
doenças mais difíceis de curar, mas foram canalizadas por dependência para uma “suposta
causa”. (nota 2).
Sem maior profundidade e apenas revisando de modo
rápido a história do socialismo, nós podemos levantar a questão de que são robôs,
prepostos sem nenhuma capacidade pensante (jamais militantes no sentido próprio
do termo) daqueles que lutam por um naco de poder, para criarem a fantasia de estarem
mais à esquerda, quiçá pela falta de uma perspectiva clara de sucesso em suas
lutas, que são meramente interesseiras.
Em última análise, seria a ação concreta do
esquizofrênico vermelho (Idem nota 2), que só se acha no mundo por meio e no
seio das esquerdas.
Mas que fique claro: O escopo deste texto é mostrar que
jargões e rótulos esquerdistas,
selecionar palavras e/ou frases fora do contexto não são críticas
anticapitalistas, quiçá (o que extrapola o texto), são resquícios dos
esquizofrênicos vermelhos a serviço dos coveiros das lutas sociais, no que
redunda em todos os casos em desonestidade intelectual.
O que vamos demonstrar aqui é que para além do
linguajar desmedido fundado exclusivamente em jargões e rótulos de esquerda, a
crítica é falsa todas as vezes em que ela não possuir nexo de coerência, incapaz de apresentar algo escondido nas
entrelinhas do texto sob análise crítica.
E retornando aos exemplos desta introdução, vemos que o
que restou incoerente é a conclusão grosseira e rasa da pseudo crítica em
relacionar a ausência de outros fatos que ameaçam o direito social, ou frases e
termos fora do contexto, como “suporte para taxar” os textos de “enganador”, “coxinha”,
“burguês” ou “favorável ao capitalismo”. Em outros termos, o fato apresentado
pela pseudo crítica (ausência de fatos e deturpações das escritas) não dá
fundamento a sua conclusão (de que o texto é pró capitalista). É aqui que nasce
a desonestidade intelectual,
conforme veremos adiante em tópico “sobre fatos escolhidos”.
E mais, a crítica ora exemplificada se vale do engodo
sob a forma de pinçar uma ou duas frases, de preferência expressões típicas do
uso e do costume neoliberal, da troika ou dos liberais, para em seguida deturpá-la
do seu contexto, renovando a
desonestidade intelectual patente na falsa crítica. Isso é tão absurdo
(sabemos), que precisa ser denunciado. É imprescindível, então, afastá-la do
espectro das esquerdas. É real não adjetivá-la de marxismo, para que se agreguem mais e mais
pessoais honestas na busca da emancipação.
2) SOBRE CRÍTICAS E REFUTAÇÕES
Ler um texto é ter a capacidade de compreendê-lo e descrevê-lo
para si e para outrem (nota 3), isto é, de captá-lo e reduzi-lo dentro do
espírito do próprio leitor (em uma linguagem mais poética), tratando de compreender
as ideias essenciais na progressão em que se sucedem e em suas correlações
(Idem nota 3). Se a leitura for acompanhado de uma crítica por parte de quem
leu, então teremos uma leitura muito mais qualificada. O truque é mostrar que você entendeu bem o texto e é capaz de
apresentá-lo sistematicamente.
A leitura também pressupõe uma finalidade, que não pode ser, “a priori”, refutar o
texto e consolidar o dogma do pseudo crítico. Ora, se a leitura não foi
ainda realizada, como é possível de antemão combatê-la? O que parece lógico, na
seara das esquerdas dogmáticas, torna-se a práxis. E toma novo rumo, muito mais
escabroso, quando alcança pessoa com desonestidade
intelectual.
Uma leitura e sua crítica posterior são feitas, em
tese, para autoinformação e informação a terceiros (se ela for compartilhada,
como nos casos em que estamos tratando das redes sociais) sobre o conteúdo e a
eventual contribuição de um artigo, texto, paper, livro, filme, obra etc. para
motivar ou desmotivar a sua leitura, visualização, como por exemplo.
Portanto, a leitura seguida de uma resenha crítica é “uma
apresentação do conteúdo de uma determinada obra, acompanhada de uma apreciação
crítica” (nota 4). Ela é um exercício
do pensamento crítico e permite o conhecimento prévio de uma obra, por
exemplo.
E vamos lembrar o óbvio, já acima assinalado sob o
termo “truque”: a crítica ao texto pressupõe o seu resumo, ou seja, o levantamento das idéias relevantes.
Expliquemos melhor, para mostrar que você leu (e que sabe ler – e isso é
importante nessa época de analfabetismo funcional) e pode fazer uma crítica a
determinado texto: se deve ser capaz
de fazer uma condensação, o mais possível fiel às idéias do autor (nota
5). Resumir é reduzir um texto ao seu esqueleto essencial. Resumir é reelaborar
ativamente as idéias do autor, sobretudo a idéia central. Resumo é um “RX” que deve captar as partes
essenciais do texto; uma vez captadas essas partes, há que procurar vê-las
em sua progressão (=como se sucedem)
e em sua correlação ( =como se articulam).
(Idem nota 5).
E mais, em qualquer texto, “o significado das palavras
e das frases não é autônomo, razão porque é
impraticável querer pinçar uma palavra ou uma frase do texto e querer
depreender-lhe o significado isoladamente. Assim, para uma leitura eficiente,
deve-se considerar o contexto no qual
está inserida a passagem que está sendo lida. Por contexto, entende-se
uma unidade linguística maior na qual está inserida uma unidade lingúistica
menor. Desta sorte, a frase está contida no contexto do parágrafo; o parágrafo,
no contexto do capítulo e o capítulo, no contexto da obra. Por isso, em
qualquer texto, o significado de suas partes não é autônomo. Tal importância
tem o contexto, que uma mesma frase
pode ter significados diversos, dependendo da realidade contextual que a
envolve, isto é, da correlação que ela estabelece com as demais frases
do texto” (nota 6).
Ao tomar esse
básico (ou elementar) zelo, não haverá desonestidade intelectual, justamente porque “não se pode
isolar parte alguma do texto e
conferir-lhe o significado que se deseja. Uma das particularidades mais
importantes da leitura de certos tipos de texto é a constatação de que esses,
além das informações explícitas, podem fazer uso de pressupostos e
subentendidos. É necessário, portanto, que o leitor saiba ler nas entrelinhas
para descobrir importantes e decisivos significados do texto” (Idem nota 6).
E todo esse aspecto não é nenhuma surpresa em uma crítica que se reivindica
marxista, na exata medida em que: (a) todo texto revela as idéias, os
anseios, os valores numa determinada época, e, como uma sociedade é dividida por interesses diversos e antagônicos, produz
idéias contrárias entre si. (b) Cada
época, também elege idéias preferenciais, e estas refletem os interesses
sociais que prevalecem na sociedade. Daí, submeter à crítica um texto é
fazer uma reflexão de maneira a analisar essas idéias de maneira crítica,
verificando até que ponto elas têm apoio na realidade. Para entender com mais eficácia o sentido de um texto, é preciso
verificar as concepções da época e da sociedade em que foi produzido, bem como
a articulação do conjunto do próprio texto. (Idem da nota 5)
Sabemos que a questão que será de máxima importância
para a crítica (ou é o seu complicador) diz respeito a construção do seu
argumento. É possível criticar os
argumentos de uma posição em bases muito diferentes, tais como: valores
morais, conseqüências, o fato de a interpretação deixar aspectos importantes da
realidade de fora etc. De todo jeito, a forma mais extrema de crítica é a refutação. Refutar significa
provar falso, e, cá para nós, na superficialidade das leituras encontradas nas
redes sociais, com raras exceções, é muito difícil “provar” a falsidade de um
argumento. Na maioria das vezes, o que se diz é que não se concorda com o
argumento, dando-lhe outras implicações – alcançando outra conclusão (Idem nota
6).
Há, basicamente, duas formas de mostrar que um
argumento é falso. A primeira,
e mais simples, é mostrar que o argumento não está de acordo com os fatos (que conforme
se verá em tópico específico, independe de quantidade, mas requer qualidade do
fato para amparar uma prática).
A segunda é mostrar que os argumentos do texto
são contraditórios entre si. Mas atenção, contraditórios com os princípios dos
quais parte o autor do texto ou levam as conseqüências absurdas (Idem nota 5).
Assim, para não ter desonestidade intelectual, uma das alternativas
interessante é citar estatísticas, ou questioná-las diante de outros elementos.
Já os argumentos refutados por outros argumentos são mais difíceis porque você não pode deturpar o que o texto
diz ou negar fatos. Eles exigem um trabalho de interpretação mais
profundo do texto (e capacidade de mostrar que os fatos geram outras
implicações), ou também mostrar contradições e inconsistências (nota 7).
Cite-se o exemplo da defesa absoluta da meritocracia, ao desconsiderar as
condições objetivas da sociedade e as desigualdades e hierarquias sociais.
Portanto, você
pode até não concordar com a escolha do fato pelo autor do texto, da maneira
como ele chega as conclusões dele, mas a pergunta é: o desenvolvimento do texto
gerou uma conclusão inconsistente? Ou é você que faria diferente?
Assim, mostrar inconsistência não é ser raso, usar meras citações sem mostrar como e porque essas
citações se aplicam no caso concreto, além de jargões sem a
demonstração cabal e lógica para quem irá ler a crítica (e entendê-la). Mostrar
inconsistência é saber e perguntar: o texto está baseado em princípios que,
muitas vezes, não são explicitamente colocados, mas eles são coerentes ao longo
do texto? Incompatibilidade com os fatos, inconsistências, contradições ou
conseqüências absurdas são provas muito fortes de erro. (Idem nota 7)
Nada obstante, acreditamos que o erro maior é a desonestidade intelectual de quem se reivindica de
esquerda, marxista, anticapitalista etc. para querer, por querer, mostrar uma
crítica que não se é capaz de produzir – apenas para reforçar suas
crenças ou dogmas... Aí, só Freud explica.
3) SOBRE OS FATOS ESCOLHIDOS
É bom lembrarmos que a escolha dos fatos que irão
integrar o texto são escolhas subjetivas que o autor retira da sua realidade
porque elas lhe provocaram reflexões (Idem nota 4 e 7). Alguém pode chegar a
conclusão sobre o abandono das crianças usando como fato o números de crianças
que vivem em situação de rua. Outra pessoa pode chegar a essa mesma conclusão
através do número de crianças que estão fora da rede pública de ensino. Uma
terceira pode citar, ao mesmo tempo, esse dois exemplos. Não será a quantidade
de exemplos retirados da vida real que irá, a rigor, “justificar” a tese do
texto. O foco deve ser a qualidade do exemplo escolhido – que seja tal que
possa ter conexão com o que dali se extrai, isto é, as consequências do fato.
Portanto, a questão mais central é: Os exemplos
concretos, retirados da realidade do Mundo, não são “muletas” para justificar o que se quer escrever,
uma vez que deve ser da realidade concreta, materialmente existente, que se
perfaz a crítica ao Mundo. Eis o ensinamento basilar de Karl Marx (nota 8). Caso
contrário, ou se quer justificar o que se pensa (forçando a barra, como diz a
linguagem mais coloquial), ou se quer fazer mera apologia de uma ideia, quiçá de
coxinha transvertida de vermelho (Idem nota 2).
Observamos mais uma vez a falta de honestidade intelectual da pseudo crítica, na medida em que os exemplos fáticos
supostos ou realmente ausentes no texto e por ela apontados se destinavam
apenas a reforçar a reflexão conclusiva. Ou seja, não basta apenas elencar
a ausência de tipos de exemplos fáticos para afirmar que o texto sob a crítica
é coxinha, burguês, pró-mercado. Aqui novamente estaremos, apenas e tão somente,
fazendo uso de rótulos ou jargões para destilar bílis. A desonestidade
intelectual decorre do fato de que o pseudo crítico quer amenizar a sua revolta
infantil (a ser tratada em sala de psicoterapeuta se for o caso) e vale-se de
fatos não contemplados no texto para desqualificá-lo.
E chamamos a atenção para algumas considerações: Primeira, aqui se vale da
categoria de metodologia científica “tipos de exemplos” da realidade (Idem notas
4 e 7), que não se confunde
tanto com “quantidade de repetições”, como dos “puros exemplos”. Aquele
primeiro tem relação com a qualidade do fato signo do Mundo real, enquanto que
o segundo e o terceiro têm relações com “o número de vezes que o fato acontece”
no Mundo real e o “que é que acontece” no Mundo real, respectivamente. Logo,
uma série de novas medidas executadas pelo Estado que ampliam direitos sociais
é um “tipo de exemplo”. As ações identificadas per si são “puros exemplos”,
enquanto que “uma série de novas ações” qualifica cada uma das ações para serem
denotadas em sentido plural de mesmo sentido, isto é, vistas em seu conjunto.
Segunda
consideração. Um
texto é construído ligando diversas apresentações de fatos, explicações,
citações e até prévias conclusões entre si, a partir de uma estrutura que faça
sentido (Idem nota 6). A importância de uma boa estrutura é mais acentuada
justamente na parte mais importante do texto que faz conexão entre os tipos de exemplos da vida real e a reflexão que o
autor dali apresenta (ou extrai). Melhor será o texto quanto mais
facilmente assimilável, razoável e inteligível por quem lê a clareza e a objetividade
daquela conexão contida no texto, de modo que um texto não depende da quantidade de “puros exemplos”, muito menos a
crítica depende daquilo que o autor acredita, tem fé ou quer repudiar.
Por outras palavras: em um bom texto parece que a conclusão é um corolário lógico ou
decorrente do conjunto do texto. A quantidade de exemplos puros; de
repetições; de tipos de exemplos; de autores citados ou de transcrições do
mesmo autor, por mais importante que eles sejam (critério de autoridade) não
farão o texto ter uma conclusão “decorrente do conjunto do texto, mas sim 'dogmática', tal como a fé religiosa (é porque é)". Aliás, não é preciso dizer
que o uso de jargões de esquerda, no melhor das hipóteses, torna o texto
tedioso, mas em absolutamente nada
contribui para a construção do argumento que se defende.
Terceira consideração. A conclusão não será escrita na
forma e na linguagem que o pseudo crítico faria. Novamente aqui existe uma desonestidade intelectual
gritantemente silvestre: a ética sobre a conclusão é a verificação se ela
decorre, ou não, de todo o desenvolvimento do texto e dos argumentos derivados
dos fatos que foram utilizados, especialmente (e isso é importante) naquelas
hipóteses em que não se pretende
mudar a conclusão, mas apenas que ela fosse mais “aguerrida”.
Exemplifiquemos: escreve-se um texto sobre ameaça aos direitos sociais e
concluiu-se de que os direitos sociais estão sob forte ameaça por parte do
Estado (tal como no exemplo da introdução, o texto de André Singer). Outra
pessoa pode ir além, e afirmar que os direitos sociais estão ameaçados e é
preciso lutar, pois a emancipação decorre dos próprios trabalhadores (tal como
o texto de James Petras também citado na introdução). Uma terceira pessoa chega a
conclusão de que é preciso organizar no dia 15 uma greve, para no mês de maio
fazer o reajuste da data-base da categoria etc. Uma quarta pessoa alcança a
conclusão de que é preciso negociar com o governo. E assim podem existir
múltiplos exemplos, inclusive, não excludentes entre si.
Quarta consideração. No campo político do confronto das
ideais no Mundo real, extra análise interna de um texto publicado em rede
social, após apurar o que o Mundo
real está dizendo (no caso a ameaça aos direitos sociais), cabe a disputa sobre
o que fazer. Será a greve no mês da data base da categoria? Serão
diversas ações para um projeto emancipatório a longo prazo? Será a luta
parlamentar? Serão as três medidas juntas e conectadas, além de outras a serem
incorporadas? A luta parlamentar deve ser desde logo descartada?
Como se dará esse confronto vai depender de vários fatores, tais como, (a) do tipo do espaço
para o debate; (b) do lugar que cada participante (debatedor e/ou plateia)
ocupa (aquele espaço de debate é hierarquizado? Reflete a hierarquia da
sociedade em que está assentado?); (c) quem são os membros que integram esse
espaço de debate, além de critérios sobre (d) as regras sociais e
institucionais que permeiam o espaço; (e) a capacidade, a educação e a formação
dos membros. Com base nessas indagações (e outras) se constata a presença de
possibilidade, ou não, de um confronto de ideais que seja mera esquizofrenia vermelha,
para não se exemplificar uma disputa com agressões físicas e morais, típica daquela pessoa que simplifica o seu pensamento já simplificado (sic) em mero uso de
rótulos, jargões e desqualificações do tipo, “é texto burguês”, “é coxinha”
etc.
4) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, se sobre a análise crítica de um texto é
possível agregar outras considerações (e geralmente sempre é possível), a
refutação só será existente se esses acréscimos
foram díspares, porque foram demonstradas
inconsistências e contradições sobre como os fatos foram apreciados.
Se os acréscimos (agregar outras considerações) nas
conclusões forem complementares,
integrantes, paralelas ou até não excludentes entre si, é desonesto intelectualmente falar em
refutação e impor conclusões de que o texto é “coxinha”, “pró-mercado”,
“burguês” e outras frases prontas.
A apresentação
dessas inconsistências e contradições não se faz com desonestidade intelectual, pelo
contrário, exige-se que se apresentem
os elementos e as relações (nexo causal) disso.
Nos exemplos dados acima (na quarta consideração,
no bojo do tópico “sobre os fatos escolhidos”), uma pessoa pode considerar que:
(1) “a conclusão pela luta emancipatória” é por demais obvia, pois deveria ser
decorrência lógica da luta dos trabalhadores, notadamente quando estão perdendo
direitos sociais; (2) “a conclusão por uma greve no mês da data base da
categoria” extrapolou os fatos que foram postos, uma vez que foram expostas
situações de ameaças aos direitos por parte do Estado (o que já indica um clima
propício à greve), mas nada foi exposto sobre as condições objetivas e
favoráveis para uma greve; e (3) “a conclusão pela negociação” é por demais
vaga, pois desconsidera que os próprios fatos expõem a deliberada vontade do
Estado em promover a redução de direitos. Nada obstante, o uso da negociação
(se bem usada) pode ser tática de ganho de tempo para organização da classe
trabalhadora (ou não).
Ou seja, veja que se trata (de modo amplíssimo) de outro texto. O crítico escreveu
um segundo texto. O que é sempre salutar. E
é aqui que residem os acréscimos que se espera de um diálogo com honestidade
intelectual.
Diferentemente é concluir pela desqualificação do texto.
Afirmando tratar-se de texto “burguês”, “coxinha”, “pró-mercado” e trazendo
meros jargões ou rótulos, que apenas mostram trata-se de uma incapacidade gritante de pensar sobre o texto; refletir de
modo prospectivo e escrever um segundo texto; perfazendo a necessidade
patológica psico-social de ser revoltado (esquizofrenia vermelha) ou robô-preposto
dos coveiros das lutas sociais.
Submeter um texto à crítica marxista, preliminarmente,
exige a capacidade de mostrar o que está escondido. Tem como pressuposto trazer
à luz o que está nas trevas – o que afasta levar o debate às trevas.
É preciso escrever como gente grande, o que implica
grandeza de espírito.
Referências:
1) Artigo
de James Petras publicado no site resistir. Disponível em http://resistir.info/petras/petras_brasil_14dez14.html
Artigo de
André Singer publicado no Jornal Folha de São Paulo (Colunista). Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/01/1569976-o-criterio-da-verdade.shtml
2) Sobre o
assunto, vide FROMM, Eric. O conceito marxista do homem. 8º Ed. Zahar editores,
1983.
3) FIORINI,
José Luis e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. S.Paulo: Ática,
1990.
4) SEVERINO,
A Joaquim. Metodologia do trabalho
científico. 14. ed. São Paulo: Cortez. 1986.
5) Trabalho
Dirigido de DANTAS, Gilson. Algumas anotações sobre resenhas e resumos (material
didático, distribuído em cursos e palestras).
6) FLÔRES,
Lucia Locateli e outros. Redação. Florianópolis: Editora da UFSC, 1992.
7) Garcia,
O.M. 2000. Comunicação em prosa moderna – aprenda a escrever, aprendendo a
pensar. Rio de Janeiro: Editora FGV.
8) MARX, K.
Crítica da filosofia do direito em Hegel. São Paulo: editorial Boitempo, 2005.
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