POR QUE OS MARXISTAS SE OPÕEM AO TERRORISMO INDIVIDUAL?
RESUMO: Diante das notícias sobre
terrorismo na França e de certo raciocínio superficial para generalização
contra a causa Palestina e de outros povos do oriente médio e norte da África, compartilho
conhecido texto marxista (*) sobre atos terroristas, que em linhas gerais
conclui: “Nos opomos aos atentados terroristas porque a vingança individual não
satisfaz a luta emancipatória. A conta que nos deve pagar o sistema capitalista
é demasiado elevada para ser apresentada a um punhado de indivíduos. Aprender a
considerar os crimes contra a humanidade, todas as humilhações a que se vêem
submetidos o corpo e o espírito humanos como excrescências e expressões do
sistema social imperante, para empenhar todas nossas energias em uma luta
coletiva contra este sistema: essa é a causa”.
As notícias na grande mídia ainda tratam dos atos
terroristas. São manchetes sensacionalistas que
podem e de algum modo geram um sentimento contrário a causa de povos oprimidos
e explorados no Oriente Médio, tal como a Palestina.
Iria
comentar as notícias, mas diante da clareza e atualidade das palavras do texto
abaixo, adoto-o como se minhas palavras fossem. Recebi de um colega do grupo de
discussão.
Texto:
Nossos
inimigos de classe têm o costume de queixar-se de nosso terrorismo. Eles
gostariam de por o rótulo de terrorismo a todas as ações do proletariado
dirigidas contra os interesses do inimigo de classe. Para eles, o método
principal de terrorismo é a greve. A ameaça de uma greve, a organização de
piquetes de greve, o boicote econômico a um patrão super explorador, o boicote
moral a um traidor de nossas próprias filas: tudo isso e muito mais é
qualificado de terrorismo. Se por terrorismo se entende qualquer coisa que
atemorize o prejudique o inimigo, então a luta de classes não é outra coisa
senão terrorismo. E o único que resta considerar é se os políticos burgueses
têm o direito de proclamar sua indignação moral acerca do terrorismo
proletário, quando todo seu aparato estatal, com suas leis, polícia e exército
não é senão um instrumento do terror capitalista.
No
entanto, devemos assinalar que quando nos jogam na cara o terrorismo, tratam,
ainda que nem sempre de forma consciente, de dar-lhe a esta palavra uma sentido
mais estrito, menos indireto. Por exemplo, a destruição das máquinas por parte
dos trabalhadores é terrorismo neste sentido estrito do termo. A morte de um
patrão, a ameaça de incendiar uma fábrica ou matar o seu dono, o atentado a mão
armada contra um ministro: todos estes são atos terroristas no sentido estrito
do termo.
Não
obstante, qualquer um que conheça a verdadeira natureza da social-democracia
internacional deve saber que ela tem se colocado em oposição da maneira mais
irreconciliável a esta classe de terrorismo.Por que? O "terror"
mediante a ameaça ou a ação grevista é patrimônio dos operários industriais ou
agrícolas. O significado social de uma greve depende, em primeiro lugar, do
tamanho da empresa ou ramo da indústria afetada; em segundo lugar, do grau de
organização, disciplina e disposição para a ação dos operários que participam.
Isto é certo tanto em uma greve econômica ou política. Segue sendo o método de
luta que surge diretamente do lugar que na sociedade moderna ocupa o
proletariado no processo de produção.Para desenvolver-se, o sistema capitalista
requer uma superestrutura parlamentar.
Porém
ao não poder confinar o proletariado em um gueto político, deve permitir cedo
ou tarde, sua participação no parlamento. Nas eleições se expressa o caráter de
massa do proletariado e seu nível de desenvolvimento político, qualidades
determinadas por seu papel social, sobretudo por seu papel na produção.Do mesmo
modo que numa greve, nas eleições o método, objetivos e resultado da luta
dependem do papel social e da força do proletariado como classe. Somente os
operários podem fazer greve. Os artesãos arruinados pela fábrica, os camponeses
cuja água envenena a fábrica, os lumpen-proletários em busca de um bom botim,
podem destruir as máquinas, incendiar a fábrica ou assassinar o dono.Somente a
classe operária consciente e organizada pode enviar uma forte representação ao
parlamento para cuidar dos interesses proletários.
No entanto, para assassinar a um funcionário do governo
não é necessário contar com as massas organizadas. A receita para fabricar
explosivos é acessível a todo o mundo, e qualquer um pode conseguir uma pistola.No
primeiro caso, há uma luta social, cujos métodos e vias se desprendem da
natureza da ordem social imperante; no segundo, uma reação puramente mecânica
que é idêntica em todo o mundo, desde a China até a França: assassinatos,
explosões, etc., porém totalmente inócua em relação ao sistema social.
Uma greve, inclusive uma modesta, tem conseqüências
sociais: fortalecimento da auto-confiança dos operários, crescimento do
sindicato, e, com não pouca freqüência, uma melhora na tecnologia produtiva. O
assassinato do dono da fábrica provoca apenas efeitos policiais, ou uma troca
de proprietário desprovida de toda significação social.Para que um atentado
terrorista, mesmo um que obtenha "êxito", crie confusão na classe
dominante, depende da situação política concreta. Seja como for, a confusão
terá vida curta; o estado capitalista não se baseia em ministros de estado e
não é eliminado com o desaparecimento deles. As classes a que servem sempre
encontrarão pessoas para substituí-los; o mecanismo permanece intacto e em
funcionamento.
Todavia, a desordem que produz um atentado terrorista
nas filas da classe operária é muito mais profunda. Se para alcançar os
objetivos basta armar-se com uma pistola, para que serve esforçar-se na luta de
classes? Se um pouco de pólvora e um pedaço de chumbo bastam para perfurar a
cabeça de um inimigo, que necessidade há de organizar a classe? Se tem sentido
aterrorizar os altos funcionários com o ruído das explosões, que necessidade há
de um partido? Para que fazer passeatas, agitação de massas, eleições, se é tão
fácil alvejar um ministro desde a galeria do parlamento?
Para nós o terror individual é inadmissível
precisamente porque apequena o papel das massas em sua própria consciência, as
faz aceitar sua impotência e volta seus olhos e esperanças para o grande
vingador e libertador que algum dia virá cumprir sua missão.Os profetas
anarquistas da "propaganda pelos fatos" podem falar até pelos
cotovelos sobre a influência estimulante que exercem os atos terroristas sobre
as massas. As considerações teóricas e a experiência política demonstram o
contrário. Quanto mais "efetivos" forem os atos terroristas, quanto
maior for seu impacto, quanto mais se concentra a atenção das massas sobre
eles, mais se reduz o interesse das massas por eles, mais se reduz o interesse
das massas em organizar-se e educar-se.
Porém a fumaça da explosão se dissipa, o pânico
desaparece, um sucessor ocupa o lugar do ministro assassinado, a vida volta à
sua velha rotina, a roda da exploração capitalista gira como antes: só a
repressão policial se torna mais selvagem e aberta. O resultado é que o lugar
das esperanças renovadas e da excitação artificialmente provocada vem a ser
ocupado pela desilusão e a apatia.Os esforços da reação para por fim às greves
e ao movimento operário de massas tem culminado, geralmente, sempre e em todas
as partes, no fracasso. A sociedade capitalista necessita um proletariado
ativo, móvel e inteligente; não pode, portanto, ter o proletariado com os pés e
mão atados por muito tempo. Por outro lado, a "propaganda pelos
fatos" dos anarquistas tem demonstrado cada vez mais que o estado é muito
mais rico em meios de destruição física e repressão mecânica que todos os
grupos terroristas juntos.Se assim é, o que acontece com a revolução? Fica
negada ou impossibilitada? De maneira nenhuma. A revolução não é uma simples
soma de meios mecânicos. A revolução somente pode surgir da intensificação da
luta de classes, sua vitória e garantida somente pela função social do
proletariado.
A greve política de massas, a insurreição armada, a
conquista do poder estatal; tudo está determinado pelo grau de desenvolvimento
da produção, a alienação das forças de classe, o peso social do proletariado e,
por último, pela composição social do exército, posto que são as forças armadas
o fator que decide o problema do poder no momento da revolução.A
social-democracia é bastante realista para não desconhecer a revolução que está
surgindo das circunstâncias históricas atuais; pelo contrário, vai ao encontro
da revolução com os olhos bem abertos.
Porém, diferentemente dos anarquistas e em luta aberta
com eles, a social-democracia rechaça todos os métodos e meios cujo objetivo
seja forçar o desenvolvimento da sociedade artificialmente e substituir a
insuficiente força revolucionária do proletariado com preparações
químicas.Antes de elevar-se à categoria de método para a luta política, o
terrorismo faz sua aparição sob a forma de ato individual de vingança. Assim
foi na Rússia, pátria do terrorismo. O açoitamento dos presos políticos levaram
Vera Zasulich a expressar o sentimento de indignação geral com um atentado
contra o general Trepov. Seu exemplo repercutiu entre a intelectualidade
revolucionária, desprovidas do apoio das massas. O que começou como um ato de
vingança perpetrado em forma inconsciente foi elevado a todo um sistema em
1879-1881. As ondas de atentados anarquistas na Europa Ocidental e América do
Norte sempre se produzem depois de alguma atrocidade cometida pelo governo:
fuzilamentos de grevistas ou execuções de opositores políticos. A fonte
psicológica mais importante do terrorismo é sempre o sentimento de vingança que
busca uma válvula de escape.
Não há necessidade de insistir que a social-democracia
nada tem a ver com esses moralistas a soldo, que, em resposta a qualquer ato
terrorista, falam somente do "valor absoluto" da vida humana. São os
mesmos que em outras ocasiões, em nome de outros valores absolutos, por exemplo,
a honra nacional ou o prestígio do monarca estão dispostos a levar milhões de
pessoas ao inferno da guerra. Hoje, seu herói nacional é o ministro que dá a
ordem de abrir fogo contra os operários desarmados, em nome do sagrado direito
à propriedade privada; amanhã, quando a mão desesperada do operário
desempregado cerre o punho ou se apodere de uma arma, falarão sandices sobre o
inadmissível que é a violência em qualquer de suas formas.Digam o que digam os
eunucos e fariseus morais, o sentimento de vingança tem seus direitos. Fala
muito bem a favor da moral da classe operária a não contemplação indiferente do
que ocorre neste, o melhor dos mundos possíveis. Não extinguir o insatisfeito
desejo proletário de vingança, mas, pelo contrário, avivá-lo uma e outra vez,
aprofundá-lo, dirigi-lo contra a verdadeira causa da injustiça e a baixeza
humanas: essa é a tarefa da social-democracia. Nos opomos aos atentados
terroristas porque a vingança individual não nos satisfaz. A conta que nos deve
pagar o sistema capitalista é demasiado elevada para ser apresentada a um
funcionário chamado ministro.
Aprender a considerar os crimes contra a humanidade,
todas as humilhações a que se vêem submetidos o corpo e o espírito humanos como
excrescências e expressões do sistema social imperante, para empenhar todas
nossas energias em uma luta coletiva contra este sistema: essa é a causa na
qual o ardente desejo de vingança pode encontrar sua maior satisfação moral.
(*)“Por que os Marxistas se Opõem ao Terrorismo
Individual” Leon Trotsky, Novembro de 1911. Tradução e Transcrição de: HTML de:
Fernando A. S. Araújo, junho 2005.Direitos de Reprodução: Marxists Internet
Archive (marxists.org), 2005.
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