A COMPLETA AUSÊNCIA DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NA PROPOSTA DE REFORMA POLÍTICA INDICA MUITO MAIS DO QUE A ILUSÃO NO SUFRÁGIO E NO MODELO ELEITORAL COMO LEGITIMAÇÃO DA DEMOCRACIA E DO EXERCÍCIO DO PODER; INDICA COMO OS PARTIDOS E POLÍTICOS NO BRASIL SÃO RETRÓGRADOS.
RESUMO: Constata-se que a proposta de reforma
política, em debate na Câmara dos Deputados e no Senado, nada diz sobre os
mecanismos de contribuição efetiva da população nas decisões políticas e administrativas e
de opinião popular. E isso mostra o quanto é reacionária a classe política
brasileira, uma vez que a “moderna democracia liberal” fala que a cidadania não
mais se satisfaz com o mero papel de eleitor, requer mecanismos de participação
pelo viés do controle e do contínuo acompanhamento, que são chamados de
participação popular – onde supostamente se permitiria falar em democracia
participativa. Nem isso!
Sem o fetiche da
democracia liberal como promessa de gestão eficiente do capitalismo e de
obtenção da vontade geral, a teoria moderna desse tipo de democracia fala que, no
século XXI, a cidadania não se contenta com o mero papel de eleitor. A
democracia liberal exigiria mais: requer mecanismos de participação pelo viés
do controle e do contínuo acompanhamento, fenômeno que vem (literalmente) se arrastando,
inclusive, diante de tímidas e/ou incrementais instrumentos para sua prática.
No caso, nenhuma proposta
substancial está prevista na reforma política em debate no Congresso brasileiro,
que dá uma resposta vazia para a crise de representação e de legitimidade do
Estado por causa, entre outros aspectos fenomenológicos, da crise na
representação partidária; da crise no sistema eleitoral proporcional; da
corrupção nas eleições; da improbidade dos eleitos...
O debate travado no
Congresso mantém o sufrágio e o contínuo aperfeiçoamento do modelo eleitoral no
pedestal de fatores de legitimação da democracia e do exercício do poder, em
detrimento da democracia direta com poder de deliberação, veto e gestão; ou do
próprio fim do monopólio da representação política para partidos (poderia ser os
chamados movimentos sociais), inclusive, de autogestão de fábricas e locais de
trabalho (democratização de todas as esferas sociais).
Ou seja, os partidos e
os políticos brasileiros sequer iniciam uma discussão no campo do liberalismo sobre
reforma política. Não há a mais remota tentativa de aperfeiçoar a tradicional
concepção de democracia direta como circunscritas às técnicas do referendo,
iniciativa popular e plebiscito, que embora sejam importantes, elas são manipuladas
e burocratizadas pela classe política eleita, além da justiça eleitoral.
Igualmente, a noção de
democracia participativa exemplificada nos mecanismos das audiências públicas (realizadas
nos estudos de impacto ambiental para decidir se será ou não concedida licença
ambiental para localização, instalação e operação de atividades econômicas em
determinado local, v.g. Resolução CONAMA 9/1987) ou do orçamento participativo
(forma de a própria população determinar como e onde serão aplicados os
recursos públicos) estão a reivindicar maior autonomia, visando livrar-se do
manejo politiqueiro e da indevida apropriação pelos grupos econômicos que
melhor se organizam e universalizam seus discursos.
Aliás, a reforma
política proposta pelo Congresso Nacional sequer coloca como objeto de
discussão no ordenamento jurídico os instrumentos do veto e da revogação
(recall ou abberufen), que são meios de se exercer a democracia liberal, na
medida em que o eleitorado pode se manifestar coletivamente contrário a
determinada medida governamental ou ato já devidamente aprovado ou em vias de
ser efetivado, inclusive, revogando o mandato dos eleitos (revogação antecipada
do mandato político).
Logo, a completa
ausência da democracia participativa na proposta de reforma política indica,
mais do que a ilusão no sufrágio e no modelo eleitoral como legitimação do
exercício do poder, uma clara expressão de como os partidos e a classe política
são reacionários e incompetentes.
Isso demonstra não só
uma “esperteza” da classe política em reformar para que tudo permaneça igual,
perdendo-se no máximo alguns anéis representados por algumas figuras. Mas na
deliberada determinação de que o sistema se mantenha incólume e ainda transmita
a ideia de contínuo aperfeiçoamento.
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