PARA ALÉM DO DIREITO ENQUANTO LEI, JUSTIÇA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O QUÊ O ESTUDO DO DIREITO PODE NOS DIZER SOB O TIPO DE DIREITO QUE É PRODUZIDO PELA SOCIEDADE?
RESUMO: Direito
para o marxismo é tê-lo pensado como
modo de produção da vida social. E modo de produção não tem de maneira nenhuma o significado
unilateral econômico que se lhe costuma dar. O que se sustenta é que a reflexão
científica do Direito tem de ir mais longe e dizer-nos que tipo de Direito
produz tal tipo de sociedade e porque é que esse direito corresponde a essa
sociedade. Isso serve, inclusive, para entender os chamados Direitos Fundamentais
de 1º a 4º geração, isto é, certa faceta das conquistas sociais.
Um
estudo do Direito (e, portanto, a constituição de uma ciência jurídica) segundo
a problemática de Marx, inverte totalmente a maneira habitual de ver as coisas,
pois se dá através de uma formulação completamente nova do estudo da sociedade
e das suas transformações na história.
A
novidade da abordagem de Marx no que diz respeito ao Direito não consiste no
fato de ele o tratar como um fenômeno social: estão todos de acordo, os
juristas inclusive, em que o direito é um produto da sociedade. “Ubi societas, ibi
jus” (onde há sociedade também há direito) é uma dessas máximas que florescem
em todos os livros e manuais (de preferência na sua formulação latina, o que dá
aparentemente mais autoridade).
O
que Marx traz de novo é que em vez de deixar esta ideia de produção social
inerte, sem conseqüências, integra todos os acontecimentos produzidos pela
sociedade numa teoria da produção
da vida social. Então, cada um dos fenômenos produzidos e a própria
lógica dessa produção se tornam inteligíveis e importantes para o Direito.
Não
basta contentarmo-nos com a habilidade de que o Direito está sempre ligado a existência da sociedade. Uma
reflexão científica, que o Direito não dispõe, tem de ir mais longe e
dizer-nos que tipo de Direito produz tal tipo de sociedade e porque é que esse
direito corresponde a essa sociedade. É justamente o que Marx propõe de uma
maneira global sob a expressão, que ele cria, de modo de produção.
É
necessário, sobre isto, evitar desde já um erro, tanto mais partilhado quanto
mais é mantido, acerca do sentido desta expressão. O modo de produção não tem de maneira nenhuma o significado
unilateral econômico que se lhe costuma dar. É o conceito que designa a maneira como uma sociedade se organiza
para produzir a vida social. A questão decisiva é pensar o Direito
no conjunto da sociedade, tal como proposto por Marx, por via do modo de
produção. Direito para o marxismo é tê-lo,
portanto, pensado como modo de produção da vida social.
E Marx deixa claro que as relações jurídicas, portanto, o
sistema das regras de Direito, não podem explicar-se nem por si mesmas nem por
apelo ao espírito. Esta afirmação é a condição “sine qua non” que nos permite
escapar ao positivismo (de que Direito é lei) ou a uma idealização (o direito é
a expressão da Justiça ou que deve expressar a dignidade humana).
A única via fecunda que permite explicar realmente o
Direito consiste, pois em procurar em um outro lado as razões da existência e
do desenvolvimento do Direito. Este “outro lado”, contrariamente ao que uma
leitura superficial poderia fazer crer, não é por certo a economia: é a
existência de um modo de produção, que permite compreender ao mesmo tempo a
organização social no seu conjunto (ou totalidade) e um dos seus elementos, o
sistema jurídico.
Referência:
MIAILLE, Michel. Introdução crítica ao Direito. 1 ed.
Lisboa: Moraes editora, 1979.
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