A estreita visão de mundo do direito penal máximo
Há um discurso alarmista sobre a "ameaça da criminalidade", amparando a formação do que se chama de Estado penal. Esse discurso tem levado à propagação, por meios formais e informais, de uma cultura do pânico, que permite legitimar como única solução viável para a efetivação da cidadania (reduzida a noção de segurança), a segregação de parcelas cada vez maiores da população.
Ou seja, a proposta é declarar guerra contra pobres e desviantes para garantir os direitos fundamentais - para preservar direitos de uma parte dos cidadãos, para permitir que eles não tenham mais medo e não permaneçam confinados em suas residências, a solução é segregar e, se possível, definitivamente aqueles que impedem o pleno exercício da cidadania dos "bons cidadãos". É evidente que esse esquema de cunho bélico não pode ser admitido no âmbito da cidadania plena.
Ou seja, a proposta é declarar guerra contra pobres e desviantes para garantir os direitos fundamentais - para preservar direitos de uma parte dos cidadãos, para permitir que eles não tenham mais medo e não permaneçam confinados em suas residências, a solução é segregar e, se possível, definitivamente aqueles que impedem o pleno exercício da cidadania dos "bons cidadãos". É evidente que esse esquema de cunho bélico não pode ser admitido no âmbito da cidadania plena.
E mais, tal visão despreza as contradições do direito penal, a saber, o sistema de repressão criminal não só não cumpre as suas promessas (garantir a paz social e evitar lesões aos direitos fundamentais), como reproduz o círculo vicioso da violência e legitima a opressão social.
As percepções e propostas da maximização do controle penal,
tão ultra capitaneado pela espetacularização da violência e do medo, reduzem a
sociedade entre o bem e o mal. Esta visão de mundo maniqueísta diz que existem “os
homens de bem” e os “homens maus”, sendo os primeiros artífices dos sadios
valores e da boa vida que os segundos, em alarmante expansão, estariam
impedindo de viver. A função declarada do direito penal seria a de controlar a
totalidade das condutas dos “homens maus” (a criminalidade) para garantir a boa
vida dos “homens bons” (a cidadania). Ora, se tudo se radica no sujeito, se sua
bondade ou maldade são determinantes de suas condutas, as instituições, as
estruturas e as relações sociais podem ser imunizadas contra qualquer
dominação, exploração, ou se quiser, “erros ou culpa”.
E mais, os etiquetados criminosos podem ser duplamente
culpabilizados: (a) seja por obstaculizarem a construção de sua própria
cidadania (eis que não fazem por merecer), (b) seja por obstaculizarem a
plenitude do exercício da cidadania alheia. Uma cidadania assim
maniqueistamente construída será perpetuamente seletiva, tão inalcançável para
o mundo do mal quanto de questionável conteúdo para o acessível mundo do bem.
E mais, tal visão de mundo esquece que se podemos falar em “causa
da criminalidade”, essas não devem ser buscadas em condutas individuais.
Pode-se começar a buscar uma “explicação” enquanto decorrência dos problemas
sociais. Mas não se pode ficar apenas nisso, é preciso submeter à crítica a
decisão política que considera como passíveis de pena determinados
acontecimentos (criminalização primária) e aplicam o rótulo de criminoso a
certas pessoas (criminalização secundária). Por isso, mais apropriado que falar
de criminalidade (e do criminoso) é falar da criminalização (e do
criminalizado). Ao invés de indagar “quem é criminoso? ”, “por que é que o
criminoso comete crime? ”, pode-se indagar; “por que determinado indivíduo ou
grupo social são definidos como tais? ”, “quem define quem? ”, e, enfim, com
base em que leis nossa sociedade distribui e concentra o poder de definição de
crime.
Não se trata, pois, de “explicar” casualmente a
criminalidade, mas de instrumentalizar e justificar, legitimando-a, a seleção
da criminalidade e a estigmatização dos criminosos operada pelo direito penal.
E não se trata, igualmente, de combate-la, porque a função do sistema é,
precisamente, a de construí-la ou gerí-la seletivamente.
Texto baseado em estudos de Alessandro Barrata e Vera Regina
P Andrade.
Comentários
Postar um comentário
Você irá comentar em Sociedade, Poder e Direito na Contramão