A FARSA MONTADA: O USO POLÍTICO DA FACADA DEFERIDA CONTRA O CANDIDATO. A BUSCA EM FAVORECER A VISÃO DE MUNDO DA EXTREMA DIREITA.
“a faca atingiu o intestino do fascista, e ter as próprias fezes a misturarem-se internamente com seu corpo é uma caricatura da vida do infeliz presidenciável. Dar significado às coisas é um ato político”.
Texto
de Fernando Horta aborda a violência praticada contra Bolsonaro. O título diz “A
Farsa do Atentado a Bolsonaro”, não para negar o fato (houve uma facada), mas
para denunciar e submeter à crítica os diversos discursos que surgiram (e ainda
surgem) a partir desse fato. A denúncia é a instrumentalização do fato pelo
candidato, mídia e setores da elite econômica para favorecer a ideologia neoliberal,
visando influenciar diretamente os resultados das Eleições de 2018.
Portanto,
o texto é interessante e aqui reproduzo porque expressa que os discursos
adquirem poder, eficácia e função por meio do contexto social em que se situam.
Assim é que deve examinar a facada ao candidato Bolsonaro.
E
mais, o texto conclui, com máxima ironia, que “a faca atingiu o intestino do
fascista, e ter as próprias fezes a misturarem-se internamente com seu corpo é
uma caricatura da vida do infelizmente presidenciável. Dar significado às
coisas é um ato político”. Segue o texto:
A
História ensina que um “fato” só é um fato a partir do momento em que o
elemento humano a ele se relaciona. A cada segundo, milhões de “fatos”
acontecem por todos os lados do globo, mas só alguns recebem significação pelo
sujeito. Assim, é ser humano, em sua complexidade, que diz o que é um “fato” e
como ele deve ser entendido dentro da teia de relações e correlações no tempo e
no espaço.
É
através da contextualização que o processo de dar significado a algo se inicia.
Não basta “ter acontecido”, é preciso que os homens e mulheres falem a
respeito. Que estabeleçam o esforço de situar aquilo que “aconteceu” dentro do
universo conhecido. As coisas só adquirem significados a partir dos seres que
nelas colocam sentido, atenção e a transportam do mundo das insignificâncias
para o ambiente político-narrativo.
Houve
uma facada. O fato de não ter saído sangue no momento é bastante comum, já que
o agressor apenas estocou a faca, não a mudou de direção. Provocou um pequeno
corte e não uma laceração externa evidente. Os médicos e atendentes estavam sem
luvas e com as máscaras fora do lugar porque a foto que circula do ex-capitão
foi tomada no momento em que a equipe, tomada de surpresa, decidia o que fazer.
Se não é o melhor procedimento médico, também não é suficiente para colocar em
dúvida a gravidade da agressão.
Os
vídeos do agredido feliz em visita a um hospital foram feitos pela manhã do
mesmo dia, em visita a um hospital do câncer. Daí resulta a mesma roupa e a
felicidade de campanha, tão verdadeira quanto as lágrimas de crocodilo. As
manifestações, via Twitter, do filho não-fraquejado do ex-capitão só mostram o
quanto a figura é despreparada para manejar uma simples ferramenta de
comunicação. Não podem, contudo, alimentar a dúvida sobre a veracidade da
agressão.
E
toda a verdade sobre o “fato” se esgota aqui. A partir de agora, tudo é uma
farsa. Montada na simbólica véspera do sete de setembro. O momento da
independência sem povo é exaltado pelo exército como a formação deu uma país
sem alma. Nos quartéis, a bandeira substitui os laços de solidariedade e é mais
comum ver um militar chorando durante o hasteamento do “pavilhão nacional”, do
que diante de crianças pobres esfomeadas a dormirem ao relento. Dar significado
às coisas é um ato político, e amar uma bandeira mais do que à criança que ela
representa é um dos assombros recorrentes das nossas forças armadas.
O
vice-general Mourão, saiu rapidamente a montar a farsa do “atentado da
esquerda” disparando sobre o Partido dos Trabalhadores e sobre o PSOL. O mesmo
general que há poucas semanas honrava a chapa que participa chamando os índios
de “preguiçosos” e os negros de “malandros”. É preciso que se diga que o
general, claramente de linhagem dinamarquesa-islandesa, se alinhou rápido ao
discurso do capitão. Todavia, se o general maneja uma arma (ou um tanque) com a
mesma precisão que analisa a história e a política brasileira, entendemos um
pouco da incapacidade e despreparo das nossas forças.
A
Rede Globo Monopólio de Televisão também adicionou cores à farsa informando que
a facada atingira a “democracia brasileira”. A afirmação chega a ser risível.
Primeiro porque Bolsonaro não representa, nem nunca representou qualquer ideal
de democracia. Simbolicamente o agressor não atacava a “democracia”, mas o
fascismo bruto e descarado que o ex-capitão representa. Em segundo lugar, a
afirmação da Globo faz parecer que ela sempre foi um bastião na defesa da democracia.
E isto, até mesmo o ex-capitão havia jogado no colo dos entrevistadores da
empresa como uma mentira mal-vomitada.
A
montagem da farsa ainda ganhava outro ator, o presidente do partido pelo qual
se candidata o fascista. Segundo aquela figura-referência de conhecimento e
educação, “agora é guerra”, como se a campanha inteira do fascista não fosse
fazendo apologia e promessa de guerra o tempo todo. Desde crianças de colo a
fazerem sinais de armas, até promessas abertas de massacres e abusos em que Sua
Santidade a procuradora-geral imperatriz da União Raquel Dodge não enxerga
“problema algum”. Por anos, o mundo reconheceu o ex-capitão como um dos seres
mais desprezíveis, abjetos e incitadores de violência que atualmente anda sobre
este planeta. Não foi somente após a agressão que os fascistas decidiram “ir
para a guerra”. Foi apenas uma desculpa para mais desrespeito e ignorância.
Mas
a farsa foi completada pela fala da Sua Santidade Divina a Presidenta impoluta
do STF, Carmem Lúcia. Sua Santidade deu entrevista em tom e feição que quase
convenceu o país que estava preocupada com a “garantia das liberdades dos
candidatos e eleitores” como a “expressão de um processo eleitoral
democrático”. Sua Santíssima impoluta deverá me perdoar, mas condenar alguém
sem provas, apressar julgamento e prender em presunção de inocência, mudar
agenda do STF para mantê-lo preso, ignorar ordem da ONU e tratados
internacionais e assumir conluio entre o judiciário e o MP para ignorar ordem
de soltura são violências extremas contra as “liberdades dos candidatos” e,
certamente, não representam “expressão de um processo eleitoral democrático”. E
diante das reiteradas agressões de um dos judiciários mais caros do mundo ao
seu povo, a faca do agressor se torna pequena, pequeníssima.
Não
sou hipócrita, não desejo ao fascista pronto reestabelecimento. Sou justo,
desejo a ele exatamente o que ele deseja a negros, índios, militantes de
esquerda, do movimento sem-terra, aos transexuais, aos homossexuais e aos que
dele divergem. Desejo exatamente o mesmo. Em gênero, número e grau.
A
faca atingiu o intestino do fascista, e ter as próprias fezes a misturarem-se
internamente com seu corpo é uma caricatura da vida do infelizmente
presidenciável. Dar significado às coisas é um ato político.
Link
da publicação original do texto: https://jornalggn.com.br/blog/fernando-horta/a-farsa-do-atentado-a-bolsonaro-por-fernando-horta
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