NOTAS SOBRE TÂNATOS, OU: NÃO VENHO PEDIR SEU VOTO
“O que sinto é que,
quando se precisa convencer alguém de que votar em Fernando Haddad é melhor que
votar, direta ou indiretamente, no capitão reformado — um criminoso contumaz, de
incompetência indiscutível, que se apresenta como solução contra o crime — , a própria noção de
“convencimento” está em xeque”
Notas sobre Tânatos, ou: não venho pedir seu voto
Artigo de Pedro Amaral. texto original |
Notas sobre Tânatos, ou: não venho pedir seu voto
De Pedro
Amaral
1) Resolvi: não vou
pedir voto a ninguém neste 2º turno — ou, pelo menos, não vou pedi-lo a pessoas que não tenho por que supor que estejam sendo
ludibriadas, mal-informadas, intoxicadas por notícias falsas.
O que sinto é que,
quando se precisa convencer alguém de que votar em Fernando Haddad é melhor que
votar, direta ou indiretamente, no capitão reformado — um criminoso contumaz, de
incompetência indiscutível, que se apresenta como solução contra o crime — , a própria noção de “convencimento” está em
xeque, seja porque a racionalidade é repelida de antemão (já virou piada a
obstinação de bolsominions em negar automaticamente, em geral com argumentos
absurdos, a validade de toda prova contrária a suas crenças), seja porque
noções como “império da lei” ou “respeito à vida humana” estão sendo ignoradas,
como meta ou ponto de partida.
Daí ser difícil,
senão inviável, o diálogo.
2) Estas não são
eleições normais, não nos esqueçamos disso. O pleito que se encerra no próximo
dia 28 é a continuidade de um processo iniciado com a deposição para lá de
controversa de uma presidente da república (reeleita com mais de 54 milhões de
votos), permeado por um ativismo judiciário sem precedentes — de que se tornou símbolo um juiz-promotor-investigador,
impune por seus desmandos — que
virou do avesso as leis vigentes e culminou com o aprisionamento do candidato
que liderava com folga a corrida presidencial; tudo isso narrado por uma
imprensa cujo enviesamento ideológico-político espanta qualquer observador
estrangeiro.
3) Desse caldo de
cultura, como dizem os intelectuais, impulsionada ainda pelos sucessivos erros
táticos da centro-esquerda, o desmoronamento da direita tradicional e os
acertos de sua coorte, emerge de prolongada insignificância a opaca figura de
Jair Bolsonaro.
O referido Messias é
a proposta mais tosca e mais extrema jamais apresentada ao conjunto da
sociedade brasileira com perspectiva de êxito. Não é demais lembrar que mesmo a
ditadura militar — que
perseguiu, torturou e assassinou oponentes — foi, no geral, tímida na
defesa dos métodos que empregava para deter a propalada “ameaça comunista”. As
atrocidades se davam no que se convencionou chamar de “porões da ditadura” — e, quando se tornou
impossível ocultá-las, foi preciso contê-las. A linha dura representada pelo
general Sylvio Frota, demitido da chefia do Exército por Geisel em 77 (em suas
memórias, Frota afirma acreditar que Geisel e Golbery eram “socialistas”),
arrefecida mas nunca extirpada, ressurge agora, ao menos como retórica, na
candidatura que lidera a corrida presidencial.
3) Na onda do
extremismo reacionário, parte da sociedade goza, liberta das amarras da
civilidade, sentindo crescer em si a potência transformadora do ódio — e fazendo suas vítimas pelo caminho. Outra parte assiste
a isso indiferente, ou com resignado desgosto, justificando-se a si mesma com
racionalizações diversas (ah, mas o PT isso, mas a esquerda aquilo… não sei…),
e sentindo-se segura por não estar entre os alvos preferenciais da horda
fascista (como no poema “Intertexto”, de Brecht: “Não me importei com isso / Eu
não era negro”).
E outra parte
resiste.
4) “É difícil
defender, só com palavras, a vida”, admite o Mestre Carpina no poema de João
Cabral de Melo Neto. É, pois, difícil enfrentar com argumentos a pulsão de
morte que contagia parcela crescente da sociedade brasileira, fazendo-a mais e
mais avessa a argumentos: “Chega de propostas, queremos promessas!”, a massa
parece clamar. E as promessas pedidas pelos olhos vidrados no whatsapp devem
ser simples e claras, como uma piada infame ou uma ameaça de homicídio.
5) Diante desse
quadro, façam o que bem entenderem no dia 28/10: não os incomodarei com
conselhos inúteis e, de resto, não-solicitados. Exerçam o livre-arbítrio,
assumam as consequências de seus atos e entendam-se com a sua consciência.
Referência:
Pedro Amaral
Pedro Amaral
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