A Democracia Socialista: da Comuna de Paris aos Conselhos Operários. Por Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo e Gramsci. A necessidade de retomada do debate sobre o controle dos trabalhadores em toda a esfera social.

Operários - Tarsila do Amaral
Resumo: A democracia socialista se expressa, principalmente, através dos Conselhos – órgão de democracia de base, que substitui o “sujeito abstrato” pelo trabalhador em todos os lugares onde há decisão importante a tomar. Retomada do debate para enfrentar as crises do capital (ecológica, cultural, financeira, política etc.), uma vez que controle operário é distinto de participação.

Durante a Comuna de Paris, Marx identificou alguns elementos de uma nova forma de democracia que chamou "autogoverno dos produtores". As características distintivas desta nova forma de Estado com respeito ao regime representativo são principalmente quatro:
1) enquanto o regime representativo se funda sobre a distinção entre poder executivo e poder legislativo, o novo Estado da Comuna deve ser "não um órgão parlamentar, mas de trabalho, executivo e legislativo, ao mesmo tempo";
2) enquanto o regime parlamentar inserido nos Estados absolutistas deixou sobreviver consigo órgãos não representativos e relativamente autônomos, os quais, desenvolvidos anteriormente na instituição parlamentar, continuam a fazer parte essencial do aparelho estatal, como o exército, a magistratura e a burocracia, a Comuna estende o sistema eleitoral a todas as partes do Estado;
3) enquanto a representação nacional característica do sistema representativo é inteiramente distinta da proibição de mandato autoritário, cuja conseqüência é a irrevogabilidade do cargo durante toda a duração da legislatura, a Comuna "é composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nas diversas circunscrições de Paris, responsáveis e revogáveis em qualquer momento”;
4) enquanto o sistema parlamentar não conseguiu destruir a centralização política e administrativa dos velhos Estados, antes, pelo contrário, confirmou através da instituição de um parlamento nacional, o novo Estado deveria ter descentralizado, ao máximo, as próprias funções nas "comunas rurais" que teriam enviado seus representantes a uma assembléia nacional à qual seriam deixadas algumas "poucas mas importantes funções .. . cumpridas por funcionários comunais".
Colhendo sua inspiração nas reflexões de Marx sobre a Comuna, Lenin, em “Estado e Revolução” e nos escritos e discursos do período revolucionário enunciou as diretrizes e bases da nova democracia dos conselhos, que fizeram o centro do debate entre os principais teóricos do socialismo na década de 20, desde Gramsci até Rosa Luxemburgo, desde Max Adler até Korsch, para terminar em Anton Pannekoek.
A constituição específica dos conselhos operários remonta aos sovietes, instituídos pela primeira vez durante a revolução russa de 1905, captado e racionalizado por Trotsky, e fortalecidos depois na de 1917 (a palavra russa “soviete significa exatamente "conselho"). O slogan da primeira revolução russa (fevereiro) expandido por Lênin foi “todo poder aos sovietes!
O que caracteriza a democracia dos conselhos em relação à democracia parlamentar é o reconhecimento de que na sociedade capitalista houve um deslocamento dos centros de poder dos órgãos tradicionais do Estado para a grande empresa. Portanto, o controle que o “cidadão” está em grau de exercer através dos canais tradicionais da democracia política não é suficiente para impedir os abusos de poder, cuja abolição é o escopo final da democracia.
O novo tipo de controle não pode acontecer senão nos próprios lugares da produção e é exercido não pelo “cidadão abstrato” da democracia formal, mas pelo “cidadão trabalhador” através dos conselhos de fábrica.
O conselho de fábrica torna-se assim o germe de um novo tipo de Estado, que é o Estado ou a comunidade dos trabalhadores em contraposição ao Estado dos cidadãos – através de uma expansão deste tipo de órgãos em todos os lugares da sociedade onde há decisões importantes a tomar. O sistema estatal, em seu complexo, será uma federação de conselhos unificados através do reagrupamento ascendente, partindo deles até aos vários níveis territoriais e administrativos.
Ou seja, o conselho partia de um pressuposto que parecia resolver de modo definitivo o problema da organização do Estado revolucionário: a aceitação dos conselhos como elemento portador de uma reestruturação do sistema político que superaria a distinção entre "econômico" e "político" e a sua configuração como conjunto de aparelhos administrados por políticos de profissão, típicas da democracia parlamentar.
De qualquer forma, o conceito de democracia de conselho desenvolveu-se principalmente fora da URSS e em oposição ao que lá era praticado. Rosa Luxemburgo criticou de forma bastante áspera, e desde muito cedo, a degeneração do sistema soviético. Ela apoiou os conselhos de trabalhadores e de soldados formados na revolução alemã de novembro de 1918. Esses conselhos derrubaram o Kaiser e levaram à primeira república alemã. Mas em 1920, uma lei sobre os conselhos que reduziu o poder. Os sociais-democratas e os sindicatos tinham quase tanto medo dessas organizações básicas democráticas quanto os conservadores.
Os conselhos de fábrica, como forma específica de conselho dos trabalhadores, ficaram conhecidos basicamente na Itália, através dos textos de Gramsci, que os descreveu tal como foram organizados de 1919 a 1921, principalmente em Turim. Segundo Gramsci, os conselhos de fábrica são expressões de uma democracia produtora: “em todas as fábricas, em todas as oficinas é formado um órgão de base representativa (...) que materializa o poder do proletariado, luta contra a ordem capitalista ou exerce o controle sobre a produção e educa todas as massas de trabalhadores para a luta revolucionária e para o estabelecimento do estado operário”.
Diante da crise ecológica, cultural, social, política e econômica das sociedades capitalistas e o ressurgimento de organizações regionalistas e locais, um novo debate sobre organização democrática da produção e da reprodução parece ser imprescindível. A esfera da participação é pífia, diante da manutenção da dualidade de classes e o esvaziamento do poder de decisão.
Mas os novos movimentos sociais (boa parte deles), sejam verdes, LGBT, portadores de necessidades especiais, apenas para exemplificar, normalmente não se ocupam muito com “questões política – econômicas”. Talvez para tais movimentos (bem como para os reacionários) já estejamos vivendo numa sociedade “pós – industrial”, onde o trabalho já não desempenha um papel central na vida. Cabe ao trabalho, se muito (sic), apenas uma participação.
Nada obstante, para o futuro da democracia socialista, é importante encontrar um rumo entre a espontaneidade e a organização. E os conselhos deram (e ainda podem dar) uma importante contribuição para a democracia em toda a esfera social.
OBS: Sobre Trotsky e conselhos, tal merece um post separado.
 Referências:
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11 ed. Brasília: editora da UnB, 1998.
BOTTOMORE, Tom. Pensamento Social. Rio de Janeiro: editora Zahar, 1996.
BOGO, Ademar (Org.). Teoria da Organização Política: escritos de Engels, Marx, Lênin, Rosa e Mao. São Paulo: Expressão Popular, 2005, Vol. I
____, 2006, Vol. II

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