Parte 03 Continuação do texto “Chavismo como redentor social: entre o mito e a realidade. Uma crítica pela esquerda”. (Post 3)


As chamadas reformas sociais do chavismo guardam entre si uma dupla característica: não alteram as relações essenciais de poder e propriedade e são marcadas por um forte perfil assistencialista.

3. Chávez, as reformas sociais e a relação com a burguesia.
As chamadas reformas sociais do chavismo guardam entre si uma dupla característica: não alteram as relações essenciais de poder e propriedade e são marcadas por um forte perfil assistencialista. E se levarmos em conta que o processo já dura aproximadamente quinze anos – e com o chavismo controlando o essencial do exército e contando com a renda (petróleo) como pode, seriamente, se falar em revolução? “Até agora a revolução bolivariana não foi além de algumas modestas reformas. Elas indiscutivelmente, beneficiaram aos mais pobres. Mas, como foi assinalado, não alteraram praticamente a distribuição de renda, nem muito menos a propriedade e o poder que são aquilo que realmente conta se alguém quer falar em revolução” (RAMÍREZ - 10).
Por outro lado, a “economia social chavista” converge plenamente com a concepção “socialista” do Banco Mundial: “As micro-empresas, os micro-créditos e os bancos dos pobres que tomam como modelo aquele de Bangladesh são medidas que o Banco Mundial há muitos anos recomenda para atenuar a pobreza no terceiro mundo ... sem afetar a propriedade da burguesia e das corporações, e liberando o Estado de maiores gastos sociais. Além disso, nos países onde isso funciona com eficiência, o resultado é a constituição de circuitos periféricos das corporações, que barateiam tanto a produção como a distribuição. Em Bangladesh isso é notório na indústria de confecção” (RAMÍREZ - 10).
E nunca será demasiado lembrar que o programa social do chavismo se baseia em uma renda (a do petróleo) que não se manterá indefinidamente, e que tais programas não mudam a natureza do Estado.“As Misiones organizadas por Chávez são operações de socorro social, não transformam o Estado. Este nacionalismo procura, antes de mais nada, restabelecer a capacidade de arbitragem do Estado. Explora uma conjuntura econômica de preços elevados das matérias-primas; suas mobilizações de massas são isoladas e defensivas” (COGGIOLA - 7).
O resultado prático de todas estas políticas reflete bem o caráter do chavismo. Os índices de pobreza não recuaram. Alguns pioraram, outros como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que abarca saúde, educação, escolarização, alfabetização etc., melhoraram. Ou seja, pobreza com paliativo. Um ganho para os mais pobres, a concentração da riqueza nas mãos dos mais ricos. Este é o “modelo”. Estas são as reformas sociais.
Nesses limites, a precariedade no trabalho ou informalidade tem crescido de maneira colossal. A economia dos últimos anos tem tido um astronômico surto de informalidade e precarização: a Sidor que tem 9 mil contratados terceirizados contra 4.500 de carteira assinada fixa, é um bom exemplo do perfil da atual economia chavista. O próprio salário mínimo cobre menos da metade da cesta básica, enquanto a fatia do empresariado na renda nacional tem aumentado.
Um setor dos simpatizantes chavistas reconhece, em relação aos programas sociais (Misiones) que: “As missões, que deveriam ter um caráter transitório, estão se convertendo em mecanismos cada vez mais duradouros e permanentes, sem que sejam formalizadas ou substituídas pela institucionalidade regular, e com carência de controles públicos (sociais e estatais). Com isso, o Estado debilita-se, ainda mais, já que ainda não se consegue realizar a redistribuição com a eficiência requerida para diminuir substancialmente a desigualdade. (...) O Estado continua em coma, cada vez mais sem capacidade para suas funções fundamentais, preso a uma improvisação permanente, crescentemente ineficiente, clientelista, corrupto” (SANJUAN - 1).
O reformismo do chavismo jamais ultrapassou estes limites de classe. Inclusive comparado com seus predecessores (como por exemplo, Cárdenas ou Nasser, que estatizou a maior parte dos ramos não agrários, ou Perón, que não expropriou grandes coisas, mas impôs uma verdadeira redistribuição de renda), Chávez aparece muito atrás de todos eles (RAMÌREZ - 10).
Quando foi eleito pela primeira vez pelo voto em 1998 Chávez prometeu acabar com a miséria que marca de forma absoluta a maioria do povo venezuelano. No entanto, muito tempo depois, pode-se observar que seu “socialismo” não funcionou. Os níveis de redução da pobreza absoluta têm mais a ver com os programas assistencialistas dos últimos quatorze anos do que um aumento da renda interna dos trabalhadores. Os níveis de desemprego são maiores do que quando ele assumiu o governo e mais da metade da população total do país continua vivendo ou na pobreza ou na miséria absoluta em dados da CEPAL (ANTUNES 11). Mesmo com controle oficial do preço dos alimentos básicos, “a inflação oscila entre 15 e 20% e uma em cada duas pessoas não tem habitação adequada. O desemprego é o principal problema social” (COGGIOLA - 7).
continua
Para lembrar:
Resumo: É muito forte a imagem do chavismo como um transformador social, seja no meio da esquerda acadêmica como no seio dos movimentos populares. Nesta série de posts são discutidos elementos que, na ótica aqui enfocada, devem ser levados em conta quando se pretenda uma compreensão daquele processo político venezuelano mais fundada nos elementos de classe.

Referência
(11) ANTUNES, Jair, 2007. Hugo Chávez, México e o ‘bolivarismo do século XXI, 17.2.2007. Disponível em: www.wsws.org/pt/2007  
(7) COGGIOLA, Osvaldo, 2008, América Latina Siglo XXI: una revolución en marcha? Mimeo.
(10) RAMÍREZ, Roberto, SÁENZ, Roberto, 2005. Rebeliones en América Latina. Buenos Aires: Antídoto.

(1) SANJUAN, Ana Maria, 2007. Claro-escuros bolivarianos. In: Le Monde Diplomatique – BRASIL, São Paulo, n. 3, outubro 2007, p. 10-12.

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